21 setembro 2017

TEXTO PARA QUESTIONARMOS ALÉM DA APOSENTADORIA QUE A PEC 14 IRÁ NOS PROPORCIONAR, POIS ATÉ CHEGAR LÁ TEREMOS UMA VIDA DE TRABALHO NAS MASMORRAS

O que é a “PEC da Polícia Penal” e porque ela não melhorará em nada o sistema prisional?

Este é o entendimento deste especialista da área penal e criminal, um estudioso e doutorando na área, este texto visa o questionamento de uma opinião diferente, saindo da área política e entrando nas raízes de nosso problemas de fato. Para pensar, não é necessário concordar, mas é interessante a leitura. (Leandro)

Começou a ser debatida na última semana no plenário do Senado Federal a proposta de emenda à constituição 14/2016, de autoria do senador Cássio Cunha Lima (PSDB/PB). 

Rebelião no CDP de Pinheiros. Foto: Gustavo Basso/Flickr







A proposta, defendida por parte das representações sindicais, transforma a carreira dos agentes penitenciários em carreira policial, institui as polícias penais e ainda prevê como competência dessas novas instâncias a segurança dos estabelecimentos penais e a escolta de presos.

A PEC da Polícia Penal é apresentada como uma suposta saída para a séria situação de vulnerabilidade em que vivem estes trabalhadores que atuam nos presídios brasileiros e, segundo os seus defensores, seria uma estratégia para reduzir o número de ataques armados a estes agentes, conter os atuais níveis de adoecimento mental e práticas de suicídios e permitir melhores condições de trabalho.

Porém, a experiência concreta revela que tal iniciativa apenas agravará ainda mais a situação.

O que temos considerado ao longo dos anos é que os problemas que acometem os agentes penitenciários estão ligados a natureza funcional da carreira, à baixa remuneração, a formação inadequada às exigências da profissão, condições insalubres de trabalho em ambientes com alto grau de tensão interpessoal e riscos iminentes à própria integridade física e psíquica.

"O quadro de horror é produto de uma irracional política neoliberal que, ao lado de promover o hiper encarceramento, precarizou ao limite a atividade destes servidores públicos e não dotou os estabelecimentos de estruturas mínimas para uma convivência sadia."

O grande desafio destas carreiras está diretamente ligado à construção de uma política voltada para garantia de direitos e claras regras de incentivo e progressão funcional. Tal medidas passam essencialmente pela possibilidade de organização sindical e não pela famigerada PEC do senador Cássio Cunha Lima.

Segundo o Relatório de 2014 do Departamento Penitenciário Nacional, a população prisional brasileira é de 607.731 pessoas, sendo que de 1990 até 2014, houve um crescimento total de 575% desde contingente. Neste cenário, verifica-se uma grave desproporção entre o número de pessoas presas e o número de agentes responsáveis pela custódia[1], bem como um déficit de mais de 200 mil vagas e condições sanitárias absurdas com ocorrências de consumo de alimentos estragados e a existência de esgoto a céu aberto dentro das celas e das dependências dos funcionários dos estabelecimentos[2].

Conforme o mesmo relatório, destaca-se que há em média uma proporção de oito pessoas presas para cada agente de custódia no Brasil numa taxa que não atende à recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) – que é de um agente para cada cinco presos – e revela ainda mais a precariedade com que trabalham estes profissionais.

A alteração destas realidades relaciona-se à necessidade de que estes profissionais estejam focados muito mais na garantia de direitos dentro dos estabelecimentos do que atuando no âmbito da contenção e repressão armada. Além de não contribuir para a maior segurança dos agentes a criação das policiais penais ainda criará novos entraves decorrentes da maior exposição destas carreiras num quadro de refinamento da ação estratégica das chamadas “organizações criminosas”.

Senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) é o autor da PEC de criação da polícia penal que tenta responder de
forma simplista um problema complexo. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado





Como se sabe, as polícias no Brasil são as polícias que mais matam e mais morrem em todo o mundo, portanto:

porque acreditar que a “policialização” teria efeito contrário para os agentes penitenciários?

em que a criação das polícias penais contribuiria para reverter os índices de homicídios e suicídio entre agentes penitenciários?

não é justamente a natureza policial, já verificada na formação e nas práticas dos agentes, a fonte de parte das dificuldades que hoje verificamos dentro dos estabelecimentos?

quais garantias seriam criadas a partir da tal polícia penal?

o que se alteraria em termos de direitos para toda esta gama de trabalhadores?


As respostas a estas perguntas dependem de muita lucidez e pouco populismo.


Não será com medidas eleitoreiras que discutiremos condições de trabalho, estruturas funcionais e atuação preventiva. Em tempo de recrudescimento autoritário como o que vivemos é comum que mais polícia seja um discurso fácil nas narrativas parlamentares.

No entanto, é pelo fortalecimento de democracia, e não pelos reforços autoritários, que encontraremos saídas para o grave problema carcerário brasileiro.



Fonte: Justificando " Mentes inquietas pensam direito "

Felipe da Silva Freitas é Doutorando em direito pela Universidade de Brasília e membro de Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana.

[1] BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias – Infopen – Junho 2014 . Brasília: DEPEN , 2014.

[2] BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a realidade do sistema carcerário Brasileiro. Brasília, julho – 2008. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/sistema-prisional/relatorio-final-cpi-sistema-carcerario-2008