25 novembro 2017

PREPAREM-SE, AINDA NÃO ACABOU, O PLANO É MAIOR: Depois da Previdência virá a reforma salarial

O governo envia ao Congresso ainda este ano um projeto de lei com a nova política de pessoal do setor público federal, que reduzirá o salário de ingresso do servidor para os padrões do setor privado.


Por Claudia Safatle 
24/11/2017 às 05h00

O golpe ainda não acabou


 Isso significa que o salário de ingresso para nível superior da carreira de gestor (uma das 250 carreiras do Executivo), que abarca Banco Central e Tesouro Nacional, por exemplo, cairá dos atuais R$ 16.933,00 para R$ 5 mil, que é o salário inicial de um professor universitário (para quem nada muda). Nos concursos de nível médio o salário será de no máximo R$ 2.800,00. A medida, quando aprovada, se aplicará aos novos funcionários.

A proposta é de "modernização da gestão de pessoas" e está sendo preparada pelo Ministério do Planejamento com vários objetivos: reduzir o ritmo de crescimento da folha de salários da União em cerca de R$ 69,8 bilhões em 10 anos e em R$ 294 bilhões em 20 anos, como parte relevante do ajuste fiscal; reduzir a desigualdade gritante entre os vencimentos do setor público e o seu equivalente no setor privado; ampliar os níveis de progressão dos funcionários federais e introduzir mecanismos de avaliação de desempenho, dentre outros.

Hoje o servidor que entra na administração pública federal com salário de quase R$ 17 mil por mês chegará ao topo da carreira em 13 anos, ganhará R$ 24.148,00 e não terá mais estímulo para melhorar o seu desempenho. Com a redução do salário de entrada, serão 30 os níveis de progressão e a promoção ocorrerá por mérito.

A folha de pagamento da União é a segunda maior despesa obrigatória do orçamento, responsável por 12,6% do gasto total. A primeira é a previdência social, que responde por 57,1% da despesa. Os gastos com pessoal será, portanto, também a segunda iniciativa a ser enfrentada para viabilizar o cumprimento do testo do gasto. A expectativa da área econômica é de que tão logo seja votada a PEC da Previdência Social, o governo encaminhe esse projeto de lei ao Congresso.

Guerra esta declarada contra os servidores


 Entre 2010 e 2015 a folha da União teve crescimento real de 7,4%. Nos Estados a expansão real foi de 20,2% e nos municípios, de 27,3% em igual período.

O projeto pretende mudar a política de pessoal apenas do poder Executivo Federal. Espera-se, contudo, que o Legislativo e o Judiciário, poderes independentes onde os vencimentos são bem mais elevados, tenham iniciativas semelhantes, assim como os governos estaduais.

Para o assessor especial do Planejamento, Arnaldo Lima, que está envolvido diretamente nesse trabalho, a carreira pública continuará sendo atrativa mesmo com a redução do salário inicial. Isso porque na estrutura da renda no Brasil os trabalhadores que ganham R$ 4,9 mil por mês estão entre os 10% mais ricos. No governo, eles terão ainda estabilidade no emprego e jornada de 40 horas semanais, com quatro horas a menos de trabalho semanal do que no setor privado.

Recebem, além disso, uma série de benefícios que representaram gastos de R$ 16,6 bilhões no ano passado, com o pagamento de seis tipos de auxílios - alimentação, creche, transportes, funeral, moradia, natalidade - além de um regime próprio de previdência, assistência médica e odontológica, diárias e ajuda de custos. Desses, R$ 12,9 bilhões foram para os funcionários federais e os R$ 3,7 bilhões restantes distribuídos entre o Legislativo, Judiciário e Ministério Público da União.

Nos próximos dez anos cerca de 39% da força de trabalho do setor público federal se aposenta.
Os servidores que ingressarem pelo novo regime vão custar aos cofres da União até 70% menos do que os atuais. Os dados comparativos entre setor publico e privado não capturam os bônus eventualmente recebidos por trabalhadores da iniciativa privada nem os planos de previdência e outros benefícios pagos ao funcionalismo público.

Opressão contra os servidores é grande


As medidas propostas no projeto de lei parecem severas. Estudo feito pelo Banco Mundial, a pedido do ex ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e divulgado na quarta feira, mostra, no entanto, que há um prêmio salarial de 67% no setor publico federal e de 31% nos Estados, em relação aos salários pagos no setor privado, considerando o nível de escolaridade. Nos municípios não há prêmios. Essa é uma diferença recorde se comparada com 53 países da amostra da instituição onde esse prêmio existe e é, em média, de 16%.

O estudo cita casos que dão a dimensão da diferença entre os trabalhadores do setor privado e público. Exemplo: um advogado recém formado recebe salário de R$ 3.100,00 no setor privado. O mesmo recém formado entrará na Procuradoria Geral da Fazenda com salário inicial de R$ 18.283,00. Se conseguir emprego no Legislativo ou no Judiciário, começará a vida profissional ganhando cerca de R$ 30 mil. O teto da remuneração no governo federal, nem sempre respeitado, é de R$ 33.763,00, que é o salário pago ao ministro do Supremo Tribunal Federal.

Dados da PNAD de 2015 indicam que 77% dos funcionários públicos federais estão entre os 40% mais ricos do país e 54% desses servidores são parte do quintil superior da distribuição da renda.

"Os altos salários do servidor público constituem uma forma de redistribuição de renda dos mais pobres e da classe média em favor dos mas ricos", diz o texto do Banco Mundial. Afinal, salienta a instituição, os servidores são pagos com o dinheiro dos impostos cobrados da sociedade que, por sua vez, também são regressivos. Ou seja, penalizam os mais pobres com excessiva tributação indireta.

Golpe na verdade era para preservar direitos daqueles que não precisam de nada

Sem restrições políticas ou político-eleitorais para fazer sugestões, os técnicos do Banco Mundial estimaram que o congelamento dos salários nominais dos servidores reduziria o prêmio de 67% hoje para 16% em 2024.  A correção dos salários pela inflação faria essa redução de forma bem mais lenta, chegando a 39% em 2029.

O documento sugere, ainda, que a redução dos salários iniciais dos servidores públicos - tal como o governo havia anunciado que faria - deve ser acompanhada de flexibilidades para poder pagar ao funcionário com base no desempenho de suas funções ao longo da carreira e na experiência acumulada.


Fonte: Valor Econômico