‘Ministério Público quer escolher o juiz’, ressaltou o advogado Luiz Fernando Gonçalves Fauvel. Juíza da 2ª Vara Criminal de Araraquara (SP) ainda não sabe se irá recorrer da decisão do TJ-SP.
Por Fabiana Assis, G1 São Carlos e Araraquara
02/12/2017 10h35 Atualizado há 23 horas
Presos comem lanche na sala da juíza em Araraquara (Foto: VC no G1) |
O advogado de defesa da juíza Silvia Estela Gigena, que ofereceu lanches para suspeitos de roubo e tráfico em seu gabinete em maio deste ano, em Araraquara (SP), acredita que o afastamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) foi resultado de um ato “orquestrado” pelo Ministério Público e pela Polícia Militar, com o objetivo de retirá-la de suas funções.
Sílvia foi afastada de forma cautelar do cargo de juíza da 2ª Vara Criminal de Araraquara na quarta-feira (29) após o Órgão Especial do TJ-SP avaliar a denúncia do promotor Marinaldo Bazílio Ferreira, que entrou com uma representação na Corregedoria Geral da Justiça para apurar a conduta da juíza após uma foto do grupo comendo ter circulado nas redes sociais.
“Houve uma orquestração entre a Promotoria e a Polícia Militar para, juntos, apresentarem uma versão bem pesada de fatos ao Tribunal. Impressionaram e o Tribunal aceitou isso”, disse ao G1 o advogado Luiz Fernando Gonçalves Fauvel.
O G1 entrou em contato com o Ministério Público e a Polícia Militar, mas eles não se manifestaram a respeito das declarações até a publicação da
Ministério Público de Araraquara (Foto: Alessandro Meirelles/G1) |
Insatisfação de promotoria e policiais
Segundo Fauvel, a situação é fruto de uma insatisfação do MP e da PM sobre a linha adotada pela juíza em suas decisões, considerada branda.
“Houve uma animosidade, um desentendimento de linha de trabalho dela com o MP, que esperava uma linha muito mais dura dela nas decisões judiciais. Ele nunca se conformou que ela adota o que a gente chama da 'teoria garantista' na área penal, que é a garantia dos direitos da dignidade humana. Os promotores de Justiça querem sempre condenar, querem deixar na cadeia e com isso contam com a ajuda da PM”, disse o advogado.
Segundo Fauvel, o promotor e a juíza já vinham se desentendendo e ele usou o episódio com os lanches como artifício para denunciá-la.
“Entendemos que é um subsídio que o MP usou para alcançar o fim, que é trocar o juiz para uma linha que lhe agrade melhor. O MP quer escolher o juiz que vai julgar na 2ª Vara Criminal”, afirmou o advogado.
"Esse incidente dos lanches serviu como um pé para ele pegar e representar contra a juíza. Eles [Promotoria e PM] não conseguiram pegá-la pelas suas decisões, acabaram criando esse incidente, aumentaram isso muitas vezes, fizeram uma tempestade num copo d’água, se uniram e conseguiram num primeiro momento esse afastamento dela”, concluiu.
Fórum de Araraquara (Foto: Wilson Aiello/EPTV) |
Defesa
O advogado disse que ainda não foi decidido se entrará com um recurso, mas considera o processo uma oportunidade para que Silvia coloque sua versão dos fatos.
“Agora que ela vai exercer o direito de defesa e terá a oportunidade de mostrar os fatos de verdade para derrubar a versão que foi criada nos autos. Ela foi ouvida apenas uma vez, porque o juiz não se defende na fase inicial da apuração”, explicou o advogado.
No entendimento do advogado, a decisão do TJ-SP, embora compreensível, foi excessiva.
“O Tribunal se assustou num primeiro momento com a versão apresentada e tomou essa medida, mas nós entendemos que é desproporcional. Não é justificada essa medida de afastamento, a comarca está apaziguada e as audiências estão correndo a contento. Ela vai demonstrar que as coisas não são bem assim como estão pintadas no processo”, afirmou.
Afastamento e apuração
O afastamento de um juiz tem prazo máximo de três meses. Neste tempo, o caso será designado para um relator do TJ que deve dar continuidade ao processo e verificar se houve ou não falta disciplinar.
Se for comprovada a responsabilidade da juíza, ela pode sofrer uma censura ou advertência, remoção compulsória ou aposentadoria compulsória.
Conduta
Em maio, o MP entrou com uma representação na Corregedoria Geral da Justiça para apurar a conduta da juíza após uma foto dos suspeitos lanchando em seu gabinete ter circulado nas redes sociais.
Para o promotor Marinaldo Bazilio Ferreira os suspeitos não deveriam ter sido soltos devido à gravidade de suas condutas. Em dois casos, os homens cometeram assaltos à mão armada e renderam duas jovens. Em outra ocorrência, um rapaz foi detido em flagrante com 229 pinos de cocaína e R$ 525.
Delegado seccional diz que é a favor de mudança na legislação (Foto: Reprodução/EPTV) |
Na época, a juíza disse ao G1 que "suas decisões estão calcadas na mais atual jurisprudência". Os suspeitos, segundo a decisão da juíza foram soltos por serem réus primários.
A juíza relatou que na audiência três presos foram soltos a pedido do próprio Ministério Público (MP), representado pela promotoria. “Os outros presos, contrariando o parecer do MP, foram colocados em liberdade mediante decisões conforme meu convencimento e que encontram embasamento na mais nova jurisprudência”, disse a magistrada na época
Atrasos
O promotor questionou também o atraso da juíza para a audiência de custódia e o pagamento dos lanches para os suspeitos.
Segundo a juíza, não é incomum os presos chegarem à audiência de custódia sem se alimentarem desde a sua prisão. A lei determina que o detento, respondendo a processo ou condenado, continua a ter direito a um tratamento digno.
A juíza afirmou ainda que sabe que a escolta não pode entregar lanches aos presos e por isso determinou que eles fossem colocados no seu gabinete para que fizessem a refeição. Na ocasião, determinou também que fossem tiradas as algemas deles, atitude que contrariou a vontade do promotor e dos policiais que fizeram as imagens.
“Para minha incredulidade, invadiram meu gabinete, tiraram fotografias da cena, filmaram e enviaram à imprensa juntamente com a nota do promotor de Justiça. Nunca se viu nem se imagina que agentes policiais, incumbidos do dever de zelar pela defesa do Estado e das instituições democráticas, fossem capazes de invadir, sem autorização, o recinto de trabalho de um magistrado”, disse a juíza ao G1 na ocasião.
Na época, o promotor disse que soltar presos em primeira instância estimula a criminalidade. “[O réu] É primário, mas cometeu um crime. Eu fico indignado porque deixa a sociedade desprotegida. A polícia perde a motivação”, declarou Ferreira .
Fonte: G1