08 novembro 2018

IRRESPONSABILIDADE : PGR pede intervenção federal urgente em sistema prisional de Roraima

Assassinatos, fugas em massa e suspensão de alimentação aos presos motivaram o pedido da PGR. Raquel Dodge sugere que a intervenção seja mantida até 31 de dezembro deste ano, quando se encerra o mandato de Suely Campos (PP).







Por Valéria Oliveira, G1 RR — Boa Vista
07/11/2018 17h50

Agentes e policiais militares fazem ação na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a maior do estado —
Foto: Inaê Brandão/G1 RR/Arquivo




A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou nesta quarta-feira (7) um ofício ao presidente Michel Temer (MDB) solicitando a intervenção federal nos sistemas prisional e socioeducativo de Roraima.

No documento, a PGR pontua a crise migratória que o estado enfrenta, mas destaca que na crise de gestão penitenciária, a situação é ainda mais grave. Ela diz que os presídios locais estão "à beira de um colapso".

“Esgotadas as inúmeras medidas tendentes a recompor a ordem e a restaurar a estabilidade dos sistemas prisional e socioeducativo do estado de Roraima, alternativa não resta senão a intervenção da União no referido estado, com o intuito de assegurar a ordem pública”, reforça Raquel Dodge.


Raquel Dodge sugere que a intervenção seja mantida até 31 de dezembro deste ano, data do término da gestão da governadora Suely Campos (PP) que, na avaliação da PGR, é responsável pela situação da desordem pública.

Interrupção do pagamento de contratos de prestação de serviços prisionais e socioeducativos, falta de pagamento de pessoal, descontrole da administração das unidades, tortura, chacinas e fugas de internos são alguns dos problemas citados pela procuradora no pedido.

Como exemplo, foram relatadas no pedido as mortes violentas ocorridas dentro da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a maior unidade prisional do estado: 33 assassinatos brutais somente em janeiro de 2017, 10 em outubro de 2016, e 15 execuções violentas entre 2009 a 2015.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu por meio de ofício enviado hoje (7) ao presidente Michel Temer, que seja feita uma intervenção federal "imperiosa e urgente" no sistema penitenciário de Roraima



O pedido da PGR é feito em meio à crise financeira que o governo enfrenta. Sem dinheiro, o estado não paga os salários de servidores públicos desde setembro, o duodécimo dos poderes Legislativo e Judiciário estão atrasados, firmas deixaram de receber e apenas uma delegacia tem funcionado na capital.

Para a procuradora-geral, o quadro de instabilidade no sistema prisional tem se agravado a cada ano em razão "de omissões e ações irregulares do poder público estadual".
Foi destacado no pedido que - conforme informações fornecidas pelo Ministério Público do Estado - desde 2008, o estado registra números expressivos de mortes violentas, além de torturas e agressões nas unidades prisionais.

No período, foram diversas as tentativas do MP estadual, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública para socorrer o sistema.

Recursos federais foram repassados ao estado, embora o dinheiro não tenha sido aplicado devido à suspeita de desvios, pontou a procuradora no ofício.

No requerimento, a procuradora-geral frisa, ainda, que somente este ano o fornecimento de comida às unidades prisionais de Roraima foi suspenso três vezes por falta de pagamento. A dívida com a empresa responsável pelo serviço chega a R$ 5 milhões.

“Está-se diante da suspensão da execução de serviço essencial, sem que o estado apresente qualquer solução viável para o problema enfrentado, o que, fatalmente, acarretará o colapso dos sistemas prisional e socioeducativo, assim como novas revoltas, de desconhecidas proporções”, avalia Raquel Dodge.

Rebelião teve 33  vítimas e envolveu detentos ligados ao Comando Vermelho e ao PCC (Primeiro Comando da Capital), facção mais numerosa na penitenciária




Outro problema apontado é que os presos estão há meses sem comparecer à audiências na Justiça porque oficiais de justiça não conseguem intimá-los. A falta de combustível para levar o detentos também é outro empecilho, aponta o documento.

De acordo com Raquel Dodge, a necessidade é de atuação emergencial para conter o caos diário vivenciado pelos detentos e agentes do sistema penitenciário roraimense.

Ao justificar a urgência, a PGR destaca que devido à desordem, facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) disputam o controle nos presídios do estado.

“A realidade de crise excepcional dos sistemas penitenciário e socioeducativo, notadamente marcada por atos de violência, tortura, execuções e precariedade na prestação de serviços indispensáveis (como alimentação), exige atuação federal também excepcional, que enfrente a crise de gestão e ainda a inadmissível ingerência de facções criminosas na administração dos presídios”, reitera a PGR.

Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, maior unidade prisional de Roraima, é também onde estão concentrados 
os maiores problemas penitenciários do estado



Propostas

Caso o pedido seja acatado, Raquel Dodge propõe garantias ao interventor como poderes de gestão sobre o aparato de segurança pública e dos sistemas penitenciário e socioeducativo do estado.

A sugestão é para que o responsável pela intervenção tenha liberdade para gerir questões administrativas e financeiras, com autonomia, inclusive, para administrar os contratos em curso.

O objetivo é garantir que o interventor possa identificar, provisionar e destinar recursos federais e do estado de Roraima para viabilizar a continuidade de serviços ou mesmo obter da União os recursos indispensáveis à execução dos contratos – isso, caso se verifique a manifesta impossibilidade de o estado assumir os custos que são de sua responsabilidade.

Além disso, a PGR recomenda que deve ser garantida ao interventor a possibilidade de utilizar esses recursos, independentemente da obtenção de novo provimento judicial. Isso porque, justamente em razão da crise enfrentada, o estado de Roraima só tem efetuado pagamentos mediante prévia ordem judicial. O ofício foi entregue ao ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Valle Rocha.

Dois corpos enterrados na ala da cozinha foram encontrados pela polícia, na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo,
 em revista após massacre de 31 preso, aumentando a conta para 33 assassinatos




Monte Cristo

A Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, maior unidade prisional de Roraima, é também onde estão concentrados os maiores problemas penitenciários do estado. Somente este ano foram registrados no presídio menos quatro fugas em massa - 92 em janeiro, 30 em junho, 74 em agosto e 20 em setembro –, e dezenas de túneis encontrados.

A procuradora cita no pedido de intervenção que Monte Cristo não foi construída para receber presos do regime fechado.

No entanto, atualmente, abriga presidiários provisórios e definitivos que possuem transito livre em todas as alas facilitando a “caótica conjuntura”, principalmente porque muitos deles são integrantes de facção criminosa e disputam espaço e poder dentro e fora da unidade.

Superlotado, o presídio abriga uma média de 1,2 mil presos, mas a capacidade é para 750 homens. Em agosto, após uma vistoria, a Ordem do Advogados do Brasil Nacional divulgou que a penitenciária era uma "bomba relógio prestes a explodir".

O cenário se repete nas demais unidades: a Cadeia Pública tem 565 presos (capacidade para 120); Cadeia Feminina tem 204 presas (capacidade para 86); Cadeia Pública de São Luiz tem 43 (capacidade para 24); Casa de Albergado tem 191 detentos, mas a lotação é de 161 pessoas.





Fonte: G1