04 novembro 2018

RETOMADA DO CONTROLE - "Estado precisa investir em presídios, não pode deixar de ser punitivista"

Ampliar a transparência da Procuradoria-Geral da República e o diálogo da instituição com a sociedade, sem criminalizar a política.






Por Ana Pompeu
4 de novembro de 2018, 8h12.


Penitenciária Feminina de Guariba, inaugurada em Março de 2018



Esses são dois pontos que José Robalinho Cavalcanti sugere como alvo a ser perseguido pela PGR nos próximos anos. Ele é presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, entidade representativa da carreira que completa 45 anos em 2018.

O trabalho de combate à corrupção é um dos destaques que Robalinho elenca na trajetória do Ministério Público Federal. É este, também, um ponto que vem à tona quando se fala das disputas políticas em que o órgão se envolve. O incômodo causado pela atuação firme acaba por gerar ataques, como o da PEC 37, que tiraria o poder de investigação do MP, ou mesmo quanto às críticas recebidas pela posição sobre o auxílio-moradia e o reajuste salarial. O projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e que pretende criminalizar o desrespeito às prerrogativas da advocacia seria outra dessas investidas, diz.

A ANPR foi criada no dia 22 de setembro de 1973, em assembleia na sede da Procuradoria-Geral da República no Distrito Federal, com a participação de 40 procuradores, após uma série de reuniões preparatórias. Hoje congrega cerca de mil procuradores de todo o país.

Em entrevista à ConJur, Robalinho falou sobre o processo de solidificação tanto do MPF e da PGR como da própria ANPR. A entidade de classe é a responsável, por exemplo, pela elaboração da lista tríplice, definida em eleição pelos integrantes do MPF para envio ao presidente da República escolher o nome do procurador-geral. A partir dos governos PT, os três presidentes do país respeitaram as sugestões dadas pela categoria.

Robalinho rebate também as críticas de que o MP e o Estado brasileiro seriam demasiadamente punitivistas. Para ele, o país não prende muito — a considerar o tamanho da população do país. As penas também não são duras demais, e o sistema está em prol de quem responde por crimes e delitos.

"É assim no mundo desenvolvido. Aqui se vende a tese de que nós estamos criando um sistema muito persecutório. Não. Agora é que estamos nos aproximando do que é razoável. Há um pouco da cultura de vender uma excepcionalidade quando, na verdade, excepcionalidade era o anterior. A jabuticaba que só tinha no Brasil era essa coisa de ficar até a quarta instância", afirmou, referindo-se à discussão no Supremo Tribunal Federal acerca da execução antecipada de pena após decisão de 2ª instância.

Retirei as partes que não interessam ao Sistema Penitenciário para não ficar muito pesada a matéria, porém, se alguém tiver o interesse de ler a matéria completa é só clicar aqui.

Leia a entrevista:


Penitenciária Masculina de Piracicaba, inaugurada em Julho de 2016



ConJur — E quanto à crítica de que estamos nos tornando muito punitivistas, estando aí o MP incluído com um papel importante?

José Robalinho — Existem colocações, como por exemplo, “no Brasil a prisão preventiva está muito ampla”. Isso é uma inverdade. Se você olha do ponto de vista jurídico para o Direito Comparado, as nossas hipóteses de prisão preventiva são muito menores do que em outros países. O cumprimento de pena a partir da segunda instância é um absurdo jurídico.

Primeiro, durante só sete anos é que foi diferente, até 2009 era assim e ninguém reclamava. Segundo, em nenhum lugar do mundo se espera quarto grau de jurisdição para cumprir a pena criminal. Na maior parte dos países, inclusive os mais garantistas no sentido estrito da palavra, com preocupação com direitos humanos e etc., o cumprimento da pena se dá a partir da condenação em primeira instância. O recurso puro e simples de apelação já tem que ser feito — que é um direito, o duplo grau de jurisdição —, com o réu preso.

Aqui se vende a tese de que nós estamos criando um sistema muito persecutório. Não. Agora é que estamos nos aproximando do que é razoável. Há um pouco a cultura de vender uma excepcionalidade quando, na verdade, excepcionalidade era o anterior. A jabuticaba que só tinha no Brasil era essa coisa de ficar até a quarta instância.

Penitenciária de Florínea inaugurada em Março de 2016



ConJur — Ainda que entendendo o Brasil como um país com tradição garantista, temos um número elevado de pessoas encarceradas...

José Robalinho — Sim, sim. Cerca de 800 mil, por aí. A última vez que eu vi essa estatística, dizia-se que o Brasil era o quinto, caminhando para ser o quarto país que mais encarcera no mundo. Direito foi meu segundo curso. Eu me formei em Direito com 30 anos. Durante 30 anos da minha vida eu fui economista. Economista está acostumado a lidar com números e a criticar os números que muitas vezes são escolhidos de forma parcial. Então, ótimo, nós somos a quinta ou quarta maior população carcerária do mundo.

Nós somos a quinta maior população do mundo, ponto. Esse primeiro dado é que é esquecido. Acima de nós, em população, só tem a Indonésia, e mesmo assim é pouco, Estados Unidos, Índia e China. O Brasil é extremamente populoso. O primeiro embargo é esse. Se você for olhar para o dado de que o Brasil é a quinta população carcerária do mundo, mas que é a quinta população do mundo, estamos na média.

Mas tem mais. Todos os países mais populosos que o Brasil — novamente, Indonésia, Estados Unidos, Índia e China, na ordem — são muito menos violentos do que o Brasil. O Brasil tem índice de crimes violentos de zona de guerra. Se o Brasil é a quinta maior população do mundo e o Brasil tem um índice de crimes violentos enorme, quem é que pode, com base nessas duas informações, defender que a massa carcerária do Brasil tem que ser pequena? Porque crime violento, em qualquer lugar do mundo, se vai punir com pena de restrição de liberdade. Sobre isso, nenhuma dúvida.

Penitenciária Feminina de Votorantim, inaugurada em Março de 2017



Você pergunta: e os que estão presos são os autores de crimes violentos? Não. Nós temos uma massa carcerária de 40%, 50% de pessoas pegas por pequeno tráfico de drogas e crimes sem violência. Isso está errado. Nós podemos e prevemos pegar essa massa de pequenos traficantes e tratar de forma diferente. Eu sou um entusiasta de penas alternativas.

Mas, em compensação, nós temos que melhorar nossa eficiência, que é desastrosa, de inquéritos policiais e de investigações policiais para que os crimes violentos tenham solução e aí esses criminosos violentos sejam presos. Esse é um primeiro dado. Então eu discordo frontalmente que a gente prenda muito, mas concordo que a gente prende mal. Tem que fazer a mudança de perfil.

ConJur — Mas diante de tamanha população carcerária e das condições dos estabelecimentos prisionais, não estaríamos alimentando o próprio crime?

José Robalinho — Isso é inumano. Aquelas pessoas são pessoas. Podem ter cometido um crime, mas são pessoas com todos os direitos, mas tratadas como nós nos recusamos a tratar animais. E aí eu boto a culpa para todos os lados. O governo federal foi de uma irresponsabilidade aguda, inclusive o governo passado.

CDP de Limeira inaugurado em Abril de 2018



A equipe que o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo colocou era tão idealista, tão excessivamente garantista que segurava o dinheiro para construir presídio porque dizia que para ser construído tinha que atender tais e tais circunstâncias. Aí o Estado, que é quem construía, dizia o seguinte: 'Olha, eu não posso construir desse jeito que o senhor está falando porque isso demandaria muito mais mão de obra, professores etc. que eu não tenho'. Então ficava um impasse e não construíam. Deixavam as pessoas feito animais. Mas não foram apenas eles os culpados. Os estados também.

No país você tem uma parte da população que tem a ideia profundamente equivocada de que gastar dinheiro com penitenciária é gastar dinheiro com vagabundos. Por que não fazer escolas? Porque aquele vagabundo é um ser humano que depois de cumprir pena vai voltar escolado em crime, sem contar que ele tem os seus direitos humanos.

Então a população cobra que não se gaste dinheiro em presídio. É preciso construir presídios. O sistema penitenciário tem um déficit de vagas brutal, de investimento de décadas. Não se resolverá de uma hora para a outra, ainda que amanhã assuma um presidente que priorize de fato isso ou que os governadores se conscientizem. Presídio não é uma obra que se faça de um dia para outro. Vamos levar anos para melhorar. E temos que melhorar.

Hoje os presídios se tornaram território do crime no qual as quadrilhas mais organizadas e mais perigosas organizam e comandam o crime aqui fora. O Estado perdeu o controle dos presídios. Então nós precisamos de investimento, precisamos de melhores leis, leis mais duras com esses criminosos que comandam lá dentro.

Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu inaugurada em Maio de 2015



A possibilidade de sistemas penitenciários menores, retomar o controle do Estado e fazer um sistema penitenciário que preste. Isso não significa que a gente prenda demais. Há um grande erro. Eu sou membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Eu já ouvi muito lá do pessoal acadêmico esse comentário. Tem muita força esse comentário despunitivista: 'o Estado tem que deixar de ser punitivista'. O Estado não pode deixar de ser punitivista com tanto crime violento.

A solução não é tirar bandido violento da cadeia ou diminuir pena. Favorecer um sujeito que se comporta bem para que ele chegue mais rápido ao final de pena é justificável em qualquer lugar do mundo e deve ser mantido. Mas daí, em um sexto de pena, o sujeito já entrar para o semiaberto, e o semiaberto no Brasil, como não tem investimento no sistema penitenciário, a Justiça definiu como 'não tem dinheiro então manda ele para casa'. A população não entende e não tem que entender mesmo. Porque dá uma sensação imensa de impunidade.


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Fonte: Revista Consultor Jurídico

Contraponto: No que tange a construção de novas Unidades Penitenciárias não podemos negar que São Paulo tem saído na frente em relação aos outros estados. São construções realmente sólidas e equipadas com equipamentos de ponta. Mas falta muito ainda para atingir o ideal.

Falta um número adequado de servidores para que não haja o estresse dos funcionários que se sobrecarregam em fazer além de suas funções, ocorrendo com isso desvio de função, proibido na administração pública. Falta a valorização destes mesmos servidores super explorados no dia a dia, pois a administração omite ao Depen e não entrega os números corretos de servidores de presos e detentos. 

Ocasionando com estas omissões uma falsa sensação de que está tudo bem no sistema prisional paulista. Quando sabemos que a verdade é bem outra. No caso em questão o CNPCP( Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal) prevê um número mínimo de presos por servidor nas unidades, que seria  01(um) servidor para cada 05(cinco) presos ou detentos. 

E apesar do sistema estar em expansão, com obras de mais 15 U.P.s em andamento, ainda assim será ínfimo o número de U.P.s para acabar com o déficit de vagas no sistema, pois para que isso seja necessário, seria preciso investir em educação na base, de qualidade, e em tempo integral. E isso por 25 anos seguidos, só ai então teríamos um geração bem educada e sem a necessidade de se construir U.Ps para eles. 

Mas enquanto isso não ocorre, e sabemos que não será tão já que irá acontecer tais investimentos em educação, temos sim que cobrar os tais investimentos e expansão do sistema prisional, para ao menos diminuir o déficit do número de vagas, cobrar também mudanças na legislação penal do país, e lutar sem trégua para exigir valorizações, salários adequados, que sejam capazes de suprir as necessidades do servidor e de seus familiares.

Para que cesse de vez esta super exploração dos mesmos, com inclusive a criação deste espúrio mecanismo chamado "DEJEP", que não permite que o servidor descanse, e faz com que tenha ou venha a ter a Síndrome do Emparedamento, pois ao não pagar salários adequados e não fazer as contratações em número correto, faz com que o servidor se submeta a tal mecanismo como forma de melhorar seus vencimentos, mas sem se atentar para questão de sua própria saúde e a de seus familiares, pois isso irá atingir a todos aqueles que o circundam e como disse o Procurador acima, se não houver tais mudanças, investimentos e também as valorizações, continuaremos a enxugar gelo por muitas décadas ainda.