Com mais de três décadas na PM e considerado linha-dura, o coronel da reserva assumiu a SAP e promete agir com o rigor que a lei permite, não por convicções pessoais.
Maurício Martins
Da Redação
11.02.19 17h39
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Comandante-geral da Polícia Militar no Estado de São Paulo entre fevereiro de 2017 e abril de 2018, durante o Governo Geraldo Alckmin (PSDB), o coronel da reserva Nivaldo César Restivo, de 53 anos, assumiu a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) a convite do governador João Doria (PSDB). Com mais de três décadas na PM e considerado linha-dura – durante seu comando, as mortes de pessoas em confrontos com a polícia aumentaram –, ele promete agir com o rigor que a lei permite, não por convicções pessoais.
Uma das suas funções será iniciar a privatização dos presídios paulistas, por meio de parcerias público-privadas (PPPs), promessa de Doria. Restivo esteve recentemente em Minas Gerais, para conhecer a única penitenciária brasileira que usa esse tipo de gestão, e ficou muito bem impressionado. Para ele, esse é o sistema adequado para São Paulo.
O coronel, que participou da ação que ficou conhecida como Massacre do Carandiru (em 1992, quando a PM invadiu a Casa de Detenção de São Paulo durante rebelião e 111 presos morreram), viu prescrever a acusação contra ele e discorda de que os presídios sejam comandados por uma facção criminosa. Ele afirma já ter começado iniciativas para melhorar a situação das cadeias. Leia trechos da entrevista concedida para A Tribuna.
O posicionamento do governador é pela privatização dos presídios, por meio de PPPs. Pela sua experiência na área da segurança, o que o senhor acha desse tipo de gestão?
Entendo que é uma alternativa muito boa que está diante de nós e que precisa ser aproveitada. Essa parceria contempla um dos três pilares do plano de governo. Um dos itens é a consolidação das teleaudiências criminais, não ter que deslocar o preso e fazer por videoconferência. Outro ponto é a oferta de trabalho e estudo para o apenado e, por último, a expansão e modernização do sistema prisional. Aí entra a possibilidade das parcerias. Temos buscado modelos existentes no Brasil e, em breve, no exterior, para ver o que eles contemplam. Depois, vamos formatar o modelo mais apropriado para São Paulo.
Recentemente, o senhor foi conhecer o modelo de Minas Gerais, atualmente o único estado no Brasil que tem presídio com PPP. O que achou?
Estive lá no dia 28 de janeiro e dividi a visita em duas partes. A primeira foi conversar com o ente público que contratou o serviço. O Governo (de Minas) se mostrou muito satisfeito com o serviço que o consórcio tem oferecido. Por unanimidade, disseram que a escolha foi acertada. Depois, conheci a instalação: eu vi o modelo ideal de um local para custodiar pessoas apenadas.
Há condições dignas: salas de trabalho, para artesanato, confecção de tapete, pintura. E outra parte do complexo tem salas de aula para educação formal, profissionalizante. Há apenado fazendo curso superior a distância. Então, o que eu vi lá é o cenário ideal que a legislação exige, com assistência médica 24 horas, saúde mental, dentista, assistência jurídica. É uma maneira de fazer a custódia, oferecendo toda a dignidade, e abrir possibilidades para que a ressocialização ocorra na plenitude do seu termo.
O senhor pretende ainda ir aos Estados Unidos, como estava previsto?
Sim. Sabemos que há diferenças legislativas entre um país e outro. O que se busca, na realidade, são modelos possíveis. Já existe uma tratativa junto ao Consulado Americano em São Paulo para viabilizar um itinerário de visitas que nos permita conhecer novas e boas práticas nos Estados Unidos.
Quando se fala em PPPs, há uma preocupação com os funcionários da SAP. Como eles ficariam?
Há uma garantia do governador Doria de que não haverá o menor prejuízo para a carreira dos funcionários da SAP, para a atividade deles. Qualquer benefício que eles têm hoje continuará existindo, independentemente de parcerias que o estado formate. Podemos ter composições, nem toda atividade é delegável. A proteção de muralhas, de perímetro, deslocamento de apenado, isso é competência estatal.
Já há críticas em relação ao custo por preso, que acabaria aumentando...
Se colocamos no fim do mês, na ponta do lápis, quanto custa um preso e quanto vai custar, matematicamente podemos chegar a uma conclusão equivocada. É uma maneira simplista de fazer comparações. Ninguém avalia, por exemplo, se a retirada de agentes públicos do interior da unidade prisional representa uma redução de custo, porque podem ser substituídos por monitores da iniciativa privada. Se não temos custo com atendimento médico, dentista, saúde mensal, parte escolar, isso deve ser abatido também. (...) O benefício maior não é visível, que é a ressocialização de quem está apenado.
Enquanto o modelo ideal não vem, o que o senhor pretende fazer para melhorar o sistema?
Criamos uma coordenadoria que cuida de ressocialização de presos e já está captando oportunidades de trabalho. Fizemos o lançamento de um projeto chamado Escola Mais Bonita, que envolve a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, capacitando os apenados por meio do Via Rápida Expresso. Vamos capacitar os apenados para que aprendam um ofício, e a Secretaria da Educação vai contratá-los. É o Governo oferecendo oportunidades para que a pessoa não vire um cliente contumaz do sistema penitenciário.
Especialistas na área falam que a maioria dos presos cometeu pequenos delitos e é usuária de drogas, que viciados são varridos para dentro das cadeias pelo Estado.Isso começaria na polícia, que prende mal. O que o senhor acha?
Ao estado, compete custodiar o infrator condenado pela Justiça.Para que a gente não tenha um acúmulo de presos que, em tese, cometeram crimes menores, é preciso alteração legislativa. O Executivo não é responsável por aumentar a quantidade de presos.
A audiência de custódia é válida?
Ela cumpre o papel de fazer uma seleção justamente nos moldes do que acabamos de falar. Porque o Poder Judiciário, entendendo que aquele criminoso preso em flagrante não oferece risco à ordem pública, à sociedade, pode (permitir ao flagrado) aguardar o julgamento em liberdade, isso vai desonerar as unidades prisionais. E o criminoso que cometeu o ato mais grave vai ter a prisão convertida em preventiva.
Como comandante da PM, o senhor foi considerado linha-dura. Inclusive, houve aumento de mortes em decorrência de intervenção policial. Pretende levar esse perfil para a SAP?
O rigor é o estabelecido em lei, não pode receber uma atribuição pessoal. Não posso dizer se na minha gestão (no comando da PM) houve mais ou menos confronto. Mas é bom que se diga que foi quando menos policiais morreram. Isso é muito relativo. Nosso rigor obedece parâmetros legais.
Sabemos que hoje a facção criminosa PCC comanda os presídios. O que a SAP fará para retomar o controle?
Eu discordo dessa afirmação. Os presídios estão nas mãos do estado, todas as unidades estão estabilizadas. Talvez tenhamos unidades com presos que se intitulam vinculados a algum tipo de bando criminoso. Mas eu afirmo com convicção, neste curto período da gestão, que os presídios de São Paulo estão sob o domínio do Estado.
Há um caso grave, em que a liderança do PCC estaria encomendando assassinatos de autoridades de dentro da cadeia. Cartas foram apreendidas nesse sentido em Presidente Venceslau.
Sabendo daquilo que aconteceu, nós fizemos uma solicitação ao Poder Judiciário pedindo a internação cautelar dos dois envolvidos, que tentaram enviar bilhetes para fora da penitenciária, no Regime Disciplinar Diferenciado, por 60 dias. É uma resposta rápida, todo aquele que atentar contra funcionários do estado, que promover rebeliões, terá muito de perto resposta que mostrará que o estado não tolera esse tipo de coisa.
Mas o líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, também está em Presidente Venceslau, inclusive com investigações apontando tentativas de resgate dele. O senhor é a favor da transferência dele para um presídio federal?
Nós temos presos em unidades federais. Não dá para dizer se ele irá ou não, mas existe alternativa. O Governo Federal já se mostrou disponível, não só para São Paulo, para auxiliar naquilo que for possível. Havendo a necessidade, o momento e a motivação para que isso ocorra, não tenho dúvida de que é uma alternativa que será estudada.
Os presídios do estado têm falhas grandes. Celulares ainda funcionam e entram com facilidade, assim como drogas e armas. Como acabar com isso?
Pela tecnologia. Hoje, nossas unidades dispõem de tecnologia que reduziu muito o acesso ao celular. Para se ter uma ideia, 73%dos aparelhos celulares apreendidos no ano passado nos presídios e entorno não chegaram às mãos dos presos. O escaneamento corporal das visitas e bloqueadores de celulares também contribuem. Em algumas unidades, há a possibilidade de o aparelho ser arremessado. Na região da Grande São Paulo, foi apreendida uma carga de celulares conduzida por um drone.
O senhor participou da ação da PM no Carandiru. Tanto tempo depois, qual a sua avaliação do que aconteceu?
Esse processo não terminou, então fica muito difícil conversar sobre o que ainda está na Justiça. Da minha parte, eu sei exatamente o que aconteceu. A denúncia oferecida contra a minha pessoa não retrata a ação que eu pratiquei. Por isso mesmo, eu não aceitei transações penais durante o processo, por entender que não poderia trocar o que eu não fiz por um benefício. A acusação prescreveu, mas minha conduta obedeceu a princípios legais. Em relação a outros companheiros que estão sendo objeto de análise judicial, eu prefiro me abster.
Fonte: A TRIBUNA
Contraponto :
Apenas uma frase:
"Com apenas quase 29 anos trabalhando na função de agente penitenciário, diretamente com os detentos, nos raios e pavilhões, durante este tempo todo ouvi vários governadores e secretários fazerem afirmações semelhantes, eles estavam errados, espero eu estar errado agora."