Uma pessoa que está presa tem seis vezes mais chances de morrer do que uma pessoa fora das cadeias.
Marcos Fuchs
27.mai.2019 às 22h41
Detentos mantém rebelião na penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte - Nacho Doce-20.jan.2017 |
A morte de, ao menos, 55 pessoas em presídios de Manaus nesta segunda-feira (27) representa a fotografia mais trágica da bomba-relógio que é o sistema penitenciário brasileiro.
Trata-se de uma tragédia anunciada sobre a qual as autoridades públicas não podem alegar surpresa ou falta de aviso.
Há cerca de dois anos, relatório apresentado pelo MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), órgão ligado ao Ministério da Justiça, já denunciava as condições precárias e o clima de tensão que prenunciavam o massacre que se concretizou em janeiro de 2017.
Operação policial dentro da Penitenciária Estadual de Açcaçuz - Avener Prado/Folhapress |
Na ocasião, a série de chacinas se iniciou no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), resultando em 56 mortos, e seguiu por prisões de Roraima e Rio Grande do Norte, semana após semana, chegando a 126 vítimas.
Os peritos do Mecanismo constataram que o complexo abrigava 697 presos a mais do que a capacidade.
O documento destacou o fato de o Compaj contar com agentes de uma empresa privada, a Umanizzare, para fazer a segurança do local. Segundo o MNPCT, isso resultou em treinamento deficitário, precarização do trabalho, alta rotatividade e número insuficiente de funcionários de segurança —apenas 153 trabalhavam no dia da visita, em comparação com 250 previstos em contrato.
Matança em briga generalizada ou em rebelião como diz o administrador não se justifica a ausência de ordem é nítida, serviços privatizados não funcionam |
Até mesmo a ONU já havia alertado o governo brasileiro, em novembro de 2016, sobre o risco de mortes no Anísio Jobim.
Apesar de não terem entrado no complexo, os especialistas do Subcomitê de Prevenção à Tortura apontaram para 12 mortes ocorridas na unidade em 2012 e afirmaram que a superlotação do estabelecimento já indicava a possibilidade de que um episódio semelhante ou pior pudesse ocorresse a qualquer momento no local.
Somente a retomada das Unidades Prisionais pelo Estado e sua consequente vigilância por Agentes Penitenciários concursados é que será imposta a disciplina |
A taxa de mortalidade intencional dentro do sistema penitenciário brasileiro é altíssima. Segundo o próprio Ministério da Justiça, uma pessoa que está presa tem seis vezes mais chances de morrer do que uma pessoa fora das cadeias.
É inadmissível que o poder público seja incapaz de garantir a vida e a integridade física de pessoas sob sua custódia e de oferecer condições dignas para o cumprimento da pena. Da mesma forma, propostas de privatização e PPPs demonstram pouca eficiência e, via de regra, só visam o lucro.
Presos enforcados no IPAT |
Poucos dias após a rebelião de 2017 no Compaj, representei a Conectas, com outras de entidades de direitos humanos, entre as quais a Pastoral Carcerária, em grupo que foi à cidade para inspecionar as prisões e averiguar a situação dos presos. Presenciamos sofrimento, terror e famílias desesperadas e sem informações sobre seus entes.
A situação medieval dos presídios brasileiros é culpa do descaso e da negligência das autoridades públicas, e as consequências afetam toda a sociedade brasileira.
A solução é a devida valorização e reconhecimeto constitucional deste profissional "essencial a paz, invisivel a sociedade" |
Marcos Fuchs é diretor-adjunto da Conectas Direitos Humanos
Fonte: Folha de São Paulo
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