03 agosto 2019

POLICIA PENAL É A ÚNICA SOLUÇÃO: Centro de chacinas em prisões, Norte tem disputa entre 17 facções criminosas

PCC e Comando Vermelho articulam alianças com grupos locais na tentativa de controlar rota amazônica do tráfico.








Marco Antônio Carvalho
3 AGO/2019/12h52


Massacre de Altamira demonstra que a situação na região é explosiva



Região Norte do País, onde nesta semana um novo massacre atribuído a uma briga entre facções deixou 58 mortos, convive com o clima instável da disputa entre ao menos 17 facções criminosas. O racha nacional entre Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), evidenciado desde o fim de 2016, potencializa conflitos regionais pela disputa da rota de tráfico de cocaína cuja importância é crescente, segundo policiais e pesquisadores.

O PCC e o CV estão nos sete Estados da região, diz levantamento do Observatório de Análise Criminal do Ministério Público do Acre (MP-AC). Em comum, as facções têm ambição de protagonismo no comércio milionário de drogas que passam pela região vindas dos maiores produtores do mundo: Colômbia, Peru e Bolívia.

Por isso, a violência é usada para eliminar inimigos e impor medo. Relatório mundial do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime apontou que a produção global de cocaína alcançou em 2016 o nível mais alto da história, com estimativa de 1.410 toneladas.

Penitenciárias frágeis e sem a estrutura adequada para suportar superlotações


O Acre ajuda a entender o cenário regional. O Estado com a 3.ª menor população do País (869 mil pessoas) foi em 2017 o segundo mais violento, com 63,9 homicídios por 100 mil habitantes - a taxa nacional naquele ano, diz o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi 30,8.

Por trás dos números acreanos estava uma briga do CV com membros do PCC e seus aliados locais do Bonde dos 13 e da Irmandade Força Ativa Revolucionária Acreana. "A rota do (Rio) Juruá passou a ser cobiçada pelo Comando Vermelho, que hoje domina essa passagem. As mortes que antes só ocorriam como punição disciplinar por 'vacilos' dentro das organizações passou a se acumular no Estado, em razão da disputa pelo domínio territorial entre diferentes grupos", diz Aldo Colombo Júnior, do Observatório do MP-AC.

O Juruá nasce no Peru, cruza a fronteira, passa por Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do Estado, e corta o Amazonas até desaguar no Rio Solimões. Neste rio, a rota é ainda mais relevante, pois vem da tríplice fronteira com Colômbia e Peru, cujo domínio garante à facção Família do Norte (FDN) ser a força regional mais expressiva.

Foi a disputa de FDN e PCC que causou em janeiro de 2017 o massacre de 56 detentos no Complexo Anísio Jobim (Compaj, em Manaus. Briga interna da FDN levou à execução de mais 55 presos no Compaj e em cadeia vizinha, em junho deste ano. "A FDN se preocupa em defender a área de fronteira de grupos exógenos. Para isso, usa o discurso regionalista, de que são os locais, para produzir afetos e mobilizar pessoas para essa proteção", diz o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Luiz Fábio Paiva.


Mapa das Facções 

Mapa das facções na região

Em 2015, a Polícia Federal deflagrou a Operação La Muralla, que mirava a FDN. "No sistema penitenciário, os sujeitos, no lugar de serem controlados pelo Estado, controlaram a prisão. Lá, num comportamento característico em todo o País, passaram a agenciar novos quadros para a facção", diz Paiva. Hoje a FDN tenta estender sua influência a Roraima, Amapá e Pará.

Nos últimos anos, os paraenses viram grupos locais crescerem, como o Comando Classe A (CCA), cujos membros são apontados como responsáveis pelo massacre da semana passada contra o CV em Altamira.

Escova de dentes utilizada como arma por detentos em Manaus
Aiala Colares Couto, da Universidade Estadual do Pará (Uepa), pondera que as relações com grandes facções ocorre de diferentes modos e não significa que os membros do CV no Pará, por exemplo, são cariocas que lá vivem; são locais que "vestem a camisa". O CV, massacrado em Altamira, se articula para a revanche em áreas onde é mais forte, como Ananindeua, na Grande Belém, prevê Couto. "Dentro ou fora dos presídios."


Desafio

Ex-ministro da Segurança no governo Michel Temer, Raul Jungmann também teme que, sem mobilizações do governo diante da crise carcerária, os massacres se repitam. "Com prisões superlotadas, guerra entre facções e o Estado não exercendo o controle do que acontece lá dentro, efetivamente a possibilidade (de novo massacre) continua existindo", disse ao Estado nesta semana.

Familiares de Efrain Mota Ferreira, vítima de massacre no Centro de Recuperação Regional de Altamira
 Imagem: Daniel Teixeira/Estadão


A briga entre os vários grupos - no Acre, no Amazonas ou no Pará - deixou reflexos consistentes nas taxas de homicídio. Atribui-se a essa guerra o recorde de mortes no País em 2017, assim como a acomodação das disputas, principalmente no Nordeste, é um dos fatores para a queda em 2018, que se mantém nos primeiros meses de 2019, segundo dados do governo federal. Com novos massacres em Manaus e Altamira este ano, o Norte mostra que lá essa acomodação está mais distante do que se imaginava.

Jungmann lembra que relatório da sua gestão apontou que há outras dezenas de facções em todo o País e os governos precisam elaborar estratégias. "O crime nas ruas, que nos causa medo, ele é, em grande medida, organizado e coordenado de dentro do sistema prisional."

Familiares enterram vitímas do massacres em Altamira/ Imagem: Daniel Teixeira/Estadão


Moro aposta em pacote anticrime

O Ministério da Justiça e da Segurança, chefiado por Sérgio Moro, disse ao Estado que o combate às organizações criminosas tem sido uma prioridade. Citou que o pacote anticrime proposto ao Congresso "atualiza a legislação para que seja possível o combate ao crime organizado e o isolamento de lideranças criminosas, minimizando as influências nos demais presos".

A pasta afirmou ainda que a previsão de impedir o direito à progressão de regime a membros de organizações "que ainda mantenham vínculo associativo" visa a "inviabilizar a atuação de chefes do crime organizado e desestimular a atividade dos demais membros". Outra proposta do ministério é ampliar o prazo de permanência de líderes em presídios federais de um para três anos, prazo que pode ser renovado.


Parentes de detentos protestam e bloqueiam entrada de presídio em Manaus na segunda
Imagem: REUTERS/Sandro Pereira



Duas perguntas para...
Gustavo Moreno Maldonado, diretor adjunto da Polícia Nacional da Colômbia


Na Colômbia, como ocorre a aproximação do governo com o setor privado para combater as organizações criminosas?

O que move essas estruturas é o negócio criminal, que cria rendas ilegais. São empresas criminais, pois têm estrutura humana, logística e financeira voltada para o negócio. A empresa, por sua vez, se conecta a um sistema de economia criminal. E uma resposta ostensiva da polícia já não é suficiente porque temos de entender o negócio para atacá-lo. Entender como as movimentações bancárias se conectam, como se ligam a empresas formais. E quem entende do assunto é o setor privado, não a polícia. O setor privado tem nos ensinado e nos levado a montar e conectar uma grande base de dados para obter a lógica do funcionamento das organizações.

As facções brasileiras na fronteira preocupam a Colômbia?

O tema interessa ao Brasil e à Colômbia e chama a atenção para a fronteira que também dividimos com o Peru, onde há hegemonias territoriais. Agora mesmo, a Família do Norte leva da Colômbia para o Brasil maconha e cocaína. É uma zona estratégica. Não podemos permitir que seja ainda mais afetada. Precisamos de um mecanismo binacional para atuar.




Fonte: TERRA