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28 abril 2022

Rodrigo Garcia nomeia coronel da Operação Castelinho como secretário da Casa Militar de SP

Militar foi inocentado por TJ em ação que teve 12 mortos; caso será julgado por Corte Interamericana após órgão ver impunidade.

Luiz Vassalo e Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

27 de abril de 2022 | 22h44

Rodrigo Garcia nomeia coronel da Operação Castelinho como secretário da Casa Militar de SP
O governador Rodrigo Garcia (PSDB) nomeou o coronel Henguel Ricardo Pereira como secretário-chefe da Casa Militar. Henguel foi um dos militares investigados em razão do caso que ficou conhecido como massacre da Castelinho e das ações clandestinas do Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (Gradi), que atuou no começo dos anos 2000.

Policiais do Gradi foram acusados de usar ilegalmente presos para infiltrá-los no Primeiro Comando da Capital (PCC). Também teriam desviado armas e praticado tortura. Eles teriam planejado o massacre de 12 bandidos na Castelinho, em Sorocaba, em 5 de março de 2002.

Procurado pela reportagem, o governo informou que o coronel “foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou improcedente a ação penal”. “Ele foi nomeado secretário-chefe da Casa Militar e Coordenador da Defesa Civil pela sua larga experiência e dedicação à Defesa Civil nos últimos anos. Ao longo da carreira, Henguel chefiou a Defesa Civil e comandou o gabinete da Casa Militar.”

Ônibus utilizado por criminosos para participar de suposto assalto em Sorocaba foi alvejado na
Castelo Branco (05.03.2002) Foto: Eugenio Goulart / Diário de S.Paulo / Agência O GLOBO
O coronel foi absolvido no caso da Castelinho. A Justiça decidiu não submeter a júri os 53 policiais acusados. Em outro processo, ele chegou a ser condenado pela 20.ª Vara Criminal a 5 anos e 6 meses de prisão sob a acusação de tortura, mas acabou absolvido na 2.ª instância.

A Defensoria Pública do Estado, no entanto, enviou o caso Castelinho à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que, em 2021, resolveu admiti-lo e submetê-lo à Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica. Segundo a comissão, as doze vítimas  foram atraídas para uma armadilha. A PM cercou o lugar com cem homens. “Foram mais de 700 disparos.”

A comissão entendeu ainda que o Estado “não demonstrou que a operação foi planejada de modo adequado" e segundo “arcabouço jurídico compatível com o uso da força”. Além disso, a Comissão observou que os indícios que apontam para uso desproporcional da força não foram suficientemente contestados pelo Estado.

Edição do dia 06 de março de 2002 trouxe as informações sobre o caso - Reprodução
Para a comissão, “o Estado não confirmou a realização de certas diligências essenciais para o esclarecimento dos fatos”. Por fim, a CIDH concluiu que “o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos à vida,  à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial da Convenção Americana sobre Direitos Humanos”. Ela recomendou à Corte que condene o Brasil a reparar integralmente as violações de direitos humanos tanto em seu aspecto material como imaterial. 

O Brasil deverá “realizar investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos por meio de órgãos independentes da polícia civil/militar, com o fim de estabelecer e sancionar as autoridades e funcionários responsáveis pelos fatos referidos no relatório e esclarecer plenamente os fatos que levaram à impunidade”

“Em razão da “gravidade dos fatos e os parâmetros interamericanos pertinentes, a Comissão sublinha que o Estado não pode invocar a garantia do ne bis in idem res judicata ou da prescrição para justificar o descumprimento desta recomendação”. A CIDH é um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA). O Brasil aderiu à convenção e é obrigado a seguir as decisões da Corte.

Ação ocorreu no pedágio que fica entre Sorocaba e Itu, próximo as entradas para a rodovia
Castelo Branco - Fábio Rogério/ArquivoJCS

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo/Jornal Cruzeiro do Sul/ O Globo

27 abril 2022

Sombra, o primeiro batizado no PCC, era agressivo e cruel desde a infância, mas morreu nas mãos do Capeta

Quando tinha 10 anos, Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, o primeiro presidiário batizado no PCC (Primeiro Comando da Capital), colocou uma jararaca-do-campo e uma cascavel em uma lata de óleo de 18 litros para brigar e saber qual cobra sairia vencedora. 

Josmar Jozino

Colunista do UOL

27/04/2022 

Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, o primeiro presidiário a ser batizado no PCC - Imagem: Reprodução
Esse instinto de maldade ele carregava desde a infância na humilde casa onde morava com a família, em São Carlos, no interior paulista.

A violência imposta pelo pai com as constantes surras e castigos em represália às peraltices do filho também ajudou a aumentar a agressividade do menino.

Certa vez, Sombra deixou uma brasa do fogão à lenha cair no chão. O pai dele, João Gumercindo Ambrósio, obrigou o filho a apagar o fogo pisando descalço na fagulha. Os sete irmãos ficaram revoltados. A mais velha saiu de casa.

Em outra ocasião, o pequeno Sombra viu uma cobra enrolada no mato. Ele pegou uma pedra e de longe atirou, acertando a cabeça do réptil. O pai soube da traquinagem. Por conta dessa e de outras travessuras, João amarrou o filho em uma laranjeira, sob sol quente, e apenas o soltou na manhã seguinte.

A crueldade com as vítimas nos roubos e com os rivais nas ruas era uma de suas características,
Idemir Carlos Ambrósio, o "Sombra", no pátio da Penitenciária de Araraquara, em 1994
Imagem - Acervo pessoal/JosmarJozino
A excelente pontaria despertou em Sombra o interesse por armas já na adolescência. Ele trabalhava como garçom em São Carlos e adquiriu um revólver "três oitão". Nas folgas, passou a treinar tiros no quintal de casa. Mirava os pregadores colocados no varal e acertava todos os alvos.

Não demorou muito tempo e Sombra deixou o trabalho para entrar definitivamente no crime. Tornou-se rapidamente especialista em roubos a bancos. Ele aterrorizou a população de Sorocaba, Ribeirão Preto, Leme, Piracicaba e Araras.

Os ladrões sentiam-se seguros roubando ao lado dele. A quadrilha também atuava na capital. Em agosto de 1989, o bando tentou assaltar o Banco América do Sul, na rua Senador Feijó. Um assaltante ficou ferido e o vigia morreu na ação. Os criminosos fugiram sem levar nada.

Mas dois meses depois, Sombra e os comparsas limparam o cofre e os caixas do Banco Nacional, também no centro da cidade. Líder da quadrilha, ele chegou a ser preso algumas vezes e conseguiu fugir, corrompendo agentes. A crueldade com as vítimas nos roubos e com os rivais nas ruas era uma de suas características.

Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, também conhecido como "Piranhão ou Fábrica de Loucos"

Liderança na prisão

No Capão Redondo, na zona sul paulistana, Sombra encontrou um desafeto em um bar. O inimigo bebia cerveja encostado em uma Brastemp. O atirador bom de pontaria sacou e descarregou a arma. Alvejado, o rival escorregou devagar, agonizando e deixando um rastro fatal de sangue na geladeira.

Em 1990, "a casa caiu" de vez para Sombra. Ele foi preso por policiais da Delegacia de Roubo a Bancos do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), em Cidade Ademar, zona sul, e não teve acerto com os "tiras". O prisioneiro passou por várias cadeias e para onde ia levava o travesseiro recheado de maconha.

Em 19 de fevereiro de 1993, o preso, acusado de cometer falta grave na Penitenciária 1 de Avaré, foi transferido para o castigo na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, chamada pelos prisioneiros de "caverna" e "campo de concentração" por conta dos maus-tratos.

Durante um banho de sol, Sombra conheceu César Augusto Roriz Silva, o Cesinha. Ambos ficaram amigos e conversaram muito sobre o massacre de 111 presos ocorrido em 2 de outubro de 1992 na Casa de Detenção, no Carandiru, zona norte de São Paulo.

Após comandar a megarrebelião no ano de 2001, "Sombra" que estava preso na Penitenciária de
Avaré I - "Dr. Paulo Luciano Campos" de Avaré foi tranferido novamente para a Casa de Custódia de Taubaté
Cesinha vibrou ao ouvir do amigo que um policial militar havia sido morto e que ao lado do cadáver tinha uma faixa dizendo: "Agora só faltam 110"! Em Taubaté, Sombra foi um dos presos que mais criticou e protestou contra o chamado "Massacre do Carandiru".

Sob o pretexto de lutar para evitar uma nova carnificina nas prisões, Sombra pregou em Taubaté a união dos detentos e foi um dos principais idealizadores da criação de uma espécie de "sindicato do crime" para lutar contra as injustiças e a opressão no sistema prisional.

Assim foi criado em 31 de agosto de 1993, na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, o PCC (Primeiro Comando da Capital). Cesinha foi um dos oito fundadores e também o padrinho de Sombra, o primeiro preso a ser batizado na facção criminosa.

Penitenciária I "José Parada Neto" de Guarulhos, Região Metropolitana de São Paulo

Poder, respeito e reverência

Depois da fundação do PCC, Sombra passou por vários presídios e em todos foi reverenciado e respeitado pelos prisioneiros por causa do "currículo" no mundo do crime e, principalmente, por ser o primeiro batizado na organização criminosa.

Uma prova dessa liderança foi demonstrada em 1996 na Penitenciária "José Parada Neto", em Guarulhos, na Grande São Paulo, até então dominada por integrantes do PCC.

Funcionários que trabalharam na unidade contam que Sombra impunha tanto respeito à massa carcerária que nas manhãs ensolaradas, sempre usando um short vermelho, caminhava em direção à quadra de futebol, carregando em uma das mãos uma moeda e na outra um lençol.

Ele batia apenas uma vez a moeda em uma das traves. Os presos que jogavam bola entendiam o "recado" e saíam rapidamente do local. Sombra estendia o pano sobre o cimento e se deitava para tomar seu tradicional banho de sol. Não muito longe, os fiéis comparsas garantiam a segurança do chefe.

Cadastro de Controle Interno da Casa de Detenção de São Paulo, do sentenciado Idemir Carlos Ambrósio

Nas mãos do "Capeta"

Essa liderança durou até o dia 27 de julho de 2001. Sombra estava de volta à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Foi mandado de volta ao castigo sob a acusação de ter ordenado a primeira e grande megarrebelião de fevereiro de 2001 no sistema prisional paulista.

No banho de sol, na quadra do pátio de Taubaté, um grupo de presos liderados por Vinícius Brasil Nascimento, o "Capeta", atacou Sombra. Ele foi enforcado com um cadarço de sapato. Teve também afundamento de crânio devido a pancadas na cabeça contra o chão e uma parede.

Funcionários do Instituto Médico Legal transportam o corpo de Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra
O PCC decretou luto de sete dias no sistema prisional. O corpo de Sombra foi enterrado em 28 de julho de 2001 no Cemitério de Vila Alpina, zona leste. No velório, uma bandeira e coroas de flores foram colocadas ao lado do caixão com as siglas do Primeiro Comando da Capital.

Um líder do PCC contou que Sombra foi assassinado porque mandou matar sem ordem dos fundadores da facção um traficante de drogas conhecido como "Macarrão", dono de bocas de fumo no bairro do Capão Redondo. 

Condenado a 120 anos por roubos, homicídios e formação de quadrilha, Sombra foi assassinado cruelmente do mesmo jeito que mandou matar vários rivais nas prisões e nas ruas de São Paulo. Aos 41 anos, o primeiro preso batizado no PCC morreu literalmente nas mãos do "Capeta".

Idemir Carlos Ambrósio "Sombra", de ex garçom a primeiro batizado no PCC

Entrevista com Gabriel Feltran autor do livro “Irmãos, uma História do PCC”

Megarrebelião comandada por Sombra completa 21 anos

No dia 18 de fevereiro de 2001, o Primeiro Comando da Capital (PCC) foi apresentado ao Brasil e ao mundo. Idemir Carlos Ambrósio, o ex-garçom de São Carlos comandou, do “Piranhão”, apelido da Casa de Custódia de Tratamento de Taubaté, onde estava encarcerado, uma megarrebelião, que envolveu 29 unidades prisionais e contou com a adesão de 27mil detentos. 

O saldo de tal evento foi sangrento: 16 presos assassinados e dezenas de feridos. Sombra usou o telefone celular para comandar o motim. A demonstração de força não havia sido a primeira, mas foi a que revelou a triste realidade para o Brasil: as cadeiras de São Paulo estavam dominadas pelo crime organizado. 

Gabriel Feltran é autor de diversos livros sobre crime organizado no Brasil, entre eles 'Irmãos- Uma História do PCC'
O segundo grande evento do PCC viria em maio de 2006 com o “Salve Geral”, que resultou na morte de quase 50 policiais e centenas de moradores da periferia. Mas Sombra não viveria para viver este segundo megaevento. 

Ele foi enforcado no próprio Piranhão, aos 41 anos cinco meses depois do motim de fevereiro de 2001. Nesta entrevista exclusiva, o professor da UFSCar e escritor, um dos maiores pesquisadores do tema crime organizado, Gabrel Feltran, fala desta guerra civil não declarada que parece não ter data para terminar.  Ele é autor de “Irmãos, uma História do PCC”.

Mais de 400 pessoas foram mortas em seis meses pelo PCC ( Vídeo de 2018)

PRIMEIRA PÁGINA –A rebelião de 18 de fevereiro de 2001 envolveu 29 unidades prisionais de SP e apresentou o PCC ao mundo. Como o senhor vê este episódio na história do crime organizado no Brasil? Foram 17 mil detentos amotinados com 16 execuções.

GABRIEL FELTRAN – É um episódio central na história do crime no Brasil, e particularmente na história do PCC. Além da grande quantidade de vítimas, o episódio fica marcado pela primeira grande aparição pública do PCC, que tinha nascido em 1993 mas que a grande imprensa e as autoridades preferiam ignorar. Depois de fevereiro de 2001, não foi mais possível.

PP – Porque o PCC usa a decapitação de inimigos como um ritual e como uma marca do grupo?

GF – Esse terror, essa violência extrema, é característica de situações de guerra, quando o outro é desumanizado e tratado como uma coisa. Essa alteridade radical já foi observada em muitas situações de guerra, e muitos autores já trataram dela (ver por exemplo “A guerra não tem rosto de mulher”, de Svetlana Aleksiévitch, que estou lendo agora inclusive). Na “época das guerras” nas periferias e cadeias, esse terror aparece não apenas com o PCC, mas em muitas outras situações. Em períodos de “bandeira branca hasteada”, o PCC é muito mais conhecido por sua capacidade de fazer alianças internas ao mundo criminal, do que a partir de cabeças cortadas. Comentei um pouco sobre isso numa matéria há uns anos atrás (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49181204)

PCC se expandiu de forma vertiginosa e com um certa cumplicidade de quem tinha poder e poderia te-los parado
PP – Qual evento foi mais importante para o crime organizado: a megarrebelião de fevereiro de 2001 ou o Salve Geral em 2006?

GF – Ambos marcam a história do crime e do PCC no Brasil de maneiras diferentes. A Mega de 2001 foi o nascimento público do PCC, e as consequências dos eventos para a facção produzem uma revolução interna, como trabalho no meu livro “Irmãos”. Nessa transformação, o PCC deixou de se organizar em estrutura piramidal e com lideranças personalizadas. Isso foi decisivo na história da facção, seu momento mais relevante. Em tamanho, no entanto, os eventos de maio de 2006 são ainda mais impressionantes. Em 2006, mais de 90 unidades prisionais e de internação de adolescentes se rebelaram ao mesmo tempo, 45 policiais foram mortos nas ruas e a reação das forças da ordem deixou ao menos 496 mortos nas periferias. A partir das transformações que se seguiram a fevereiro de 2001, e a maio de 2006, a reflexão interna ao PCC fez notar que a facção se beneficiaria muito mais ao trabalhar na sombra, sem muito alarde, e conquistando mercados ilegais (o mercado transnacional de cocaína passa, mais tarde, a ser o mais lucrativo no mundo criminal). Por isso a facção cresce tanto ainda hoje, já atuando em cinco continentes.

PP – Em que o PCC se diferencia da Costa Nostra, da Yakuza, da Máfia Russa ou dos Carteis Colombianos ou Mexicanos?

GF – A forma de liderança no PCC não é personalizada, como nessas outras organizações criminais. O poder não é da pessoa, mas da posição. Muitos pensam que o PCC é uma empresa, mas ele é muito mais uma sociedade secreta de muitos empresários do crime, uma “maçonaria do crime”, para facilitar a compreensão. Nenhum irmão é, em princípio, maior que outros; mas há posições de honra, conquistadas pela caminhada de cada um no crime, que são posições de responsabilidade. Assim, se qualquer um, em posições mais altas ou mais baixas, pode ser questionado quanto ao seu proceder e é essa busca por um proceder correto, nos parâmetros internos ao crime, claro, que faz com que as reputações e os poderes se distribuam. Isso é diferente de todas as outras organizações criminais brasileiras, e também as estrangeiras que conheci. E sem dúvida, essa estratégia favorece o crescimento rápido da facção.

Em São Carlos, 'Sombra' agia no bando conhecido como 'Trio Parada Dura' (Claudio Dias/Reprodução)
PP – Na sua opinião, Sombra foi o maior bandido da história de São Carlos? Por que ele foi morto?

GF – Da história recente, sem dúvida é o mais famoso. Sombra foi morto em situação controversa, meses após a Mega de 2001, justamente nesse período de “revolução interna”, em que o PCC passava por transformações muito relevantes. Mas não conheço detalhes sobre a morte dele.

PP – Como seria possível combater o PCC de forma a extingui-lo?

GF – Termino o meu livro “Irmãos” dizendo que a forma “sociedade secreta” de organizar o poder é mais antiga do que a forma “Estado”. O problema ainda é mais grave quando as nossas políticas de segurança são focadas em prender pequenos operadores de grandes mercados (drogas, armas, veículos roubados, contrabando). Esses pequenos operadores, na cadeia, fortalecem as facções, que nasceram e cresceram dentro delas. Se não revisarmos toda nossa política de segurança, focando na diminuição e controle dos mercados ilegais, seja por regulação estatal ou mercantil, associada à proteção social dos que são fortemente explorados nesses mercados (até morrerem, literalmente), vai ser difícil.

Em agosto de 1985, 'Sombra' e o comparsa roubavam um casal de estudantes em São Carlos (Claudio Dias/Reprodução)
PP – Em 21 anos o que mudou no sistema prisional paulista?

GF – Como já era de se esperar, nesses 21 anos o sistema prisional que tinha sido integralmente reformado e reconstruído, se deteriorou enormemente. Desde o século 18 as prisões são reformadas para serem novamente reformadas em seguida, sempre na direção de mais punição e disciplina, e sempre caem no mesmo lugar: superlotação, reprodução de grupos criminais, corrupção sistêmica. O sistema prisional paulista passou de 45 mil presos no início dos anos 1990, quando começaram as reformas, para 230 mil presos nos últimos anos. Produzimos mais de 1,3 milhão de ex-presidiários, que somados às suas famílias, são mais de 10% da população do estado. Um sistema desse tamanho consome rios de dinheiro público, evidentemente apropriado por muita gente – que participa de licitações e fornece serviços e que não quer que ele diminua, ao contrário. Nesse jogo infernal, fortaleceu-se a hegemonia de uma só facção no estado todo, o PCC, e a corrupção sistêmica faz com que muito dinheiro transite dos cofres públicos e dos mercados ilegais para os mercados de proteção. A nossa política de segurança, que não pensa em outra coisa se não em prisão e guerra, fez água. Mas continua-se apostando na mesma política, agora mais radical. Vai continuar fazendo água, e derramando sangue.

PP – Esta “guerra civil” não declarada pode um dia acabar?

GF – Quando eu era criança em São Carlos, nos anos 1980, morava na Padre Teixeira com um murinho de 80 cm de altura. A casa em que eu morava hoje tem um arame farpado em espiral. Uma das 20 melhores cidades do Brasil para se viver está assim, cheia de condomínios fechados e vivendo com medo. Imaginemos como está os lugares mais pobres do Brasil, que tem mais de 5 mil municípios. Se parássemos para pensar, e trabalhássemos baseados em evidências, e não em ideologias, teríamos alguma chance. Do jeito que está, e do jeito que vai, com certeza teremos ainda décadas de 60 mil assassinatos por ano no país, se não mais. E de grades cada vez mais altas dos condomínios, de alambrados e arames farpados em espiral. Não é uma boa escolha.

Fonte: UOL/Primeira Página/Bandeirantes/CBN Ribeirão Preto

25 abril 2022

Doleira da Lava Jato, Nelma Kodama se aliou a chefe do PCC em tráfico internacional, diz PF

Ela foi presa em Portugal após investigação da polícia apontar esquema que levava drogas do Brasil para a Europa, mas defesa nega crimes; Nelma é lembrada por ter cantado para senadores na CPI da Petrobras.

Fátima Lessa, especial para o Estadão

25 de abril de 2022 

Investigação da PF sobre esquema de envio de drogas do Brasil para a Europa resultou na
prisão de Nelma Kodama em Portugal; defesa nega participação nos crimes
CUIABÁ - A doleira envolvida com a Operação Lava Jato Nelma Kodama integrava um esquema de tráfico internacional de drogas que contava com a participação do Primeiro Comando da Capital (PCC), conforme investigação da Polícia Federal (PF). Uma operação da corporação na semana passada prendeu novamente Nelma, suspeita de atuar no comércio de entorpecentes para a Europa. Além desse negócio, segundo a investigação, ela e outros suspeitos na mira da PF também estiveram envolvidos na venda de respiradores e máscaras durante a pandemia da covid-19. 

A Operação Descobrimento foi deflagrada no Brasil e em Portugal na terça-feira, 19. O foco era a atuação de uma quadrilha que transportava cocaína escondida na fuselagem de aeronaves de luxo para a Europa. O esquema com jatinhos funcionou por ao menos dois anos, entre 2020 e 2022, segundo os investigadores. Em um voo de fevereiro do ano passado, a PF conseguiu interceptar o transporte e apreendeu 535,6 quilos de cocaína em um avião que chegava em Salvador. 

Sete pessoas tiveram mandado de prisão expedido pela Justiça, que ordenou buscas em 46 localidades do País. Todos os suspeitos, incluindo Nelma, irão responder pela prática dos crimes de tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

A doleira ficou conhecida em março de 2014, após ser presa na 1ª fase da Operação Lava Jato sob suspeita de participar de lavagem de dinheiro no esquema de corrupção na Petrobras junto com o doleiro Alberto Yousseff. Na época, ela foi detida em São Paulo, quando tentava embarcar para Milão, com € 200 mil escondidos na calcinha. 

Doleira canta em CPI

Quando foi chamada para se explicar sobre as acusações no Senado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, Nelma roubou a cena ao cantar a música Amada amante, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, ao ser questionado sobre sua relação com Yousseff. 

No esquema de tráfico, a atuação do grupo se dividia em três núcleos identificados pela PF. O órgão detalhou o funcionamento da suposta quadrilha em relatório obtido pelo Estadão:

Núcleo central comprava droga e levava para a Europa

Suspeitos de integrar o núcleo central:

Nelma Kodama, doleira

Nilton Borgato, ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Mato Grosso

Rowles Magalhães Pereira da Silva, namorado de Nelma

Claudio Rocha Junior

Ricardo Agostinho

Marcelo Mendonça de Lemos, apontado como integrante do PCC

Em 2019, doleira Nelma Kodama postou foto de vestido vermelho, sapato Chanel
e tornozeleira eletrônica; ela havia sido presa na Lava Jato em 2014 sob acusação de participar
de lavagem de dinheiro Foto: Reprodução/Instagram - 2019
A doleira Nelma Kodama integrava o primeiro núcleo, de acordo com a PF. Também estava neste grupo Marcelo Mendonça de Lemos apontado como integrante do alto escalão do PCC. Lemos também é conhecido pelos apelidos eram Marcelo Grandão ou Marcelo Infraero, supostamente pelo fato de sempre frequentar o aeroporto.

Nelma, Lemos e outras quatro pessoas (entre elas o ex-secretário de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso Nilton Borgato) seriam os responsáveis pela aquisição da droga com os fornecedores e pela sua introdução no mercado europeu. 

A doleira participava das remessas de drogas ao exterior antes de o avião com drogas ser flagrado em Salvador. Ela mantinha relacionamento amoroso com um outro suspeito de participar do esquema: Rowles Magalhães Pereira da Silva. O relatório da PF, relata, com riqueza de detalhes, inclusive com prints de conversa de Whatsapp entre Nelma e Rowles, a importante participação de ambos em uma operação envolvendo a remessa de droga entre 4 de abril de 2020 a 13 de junho de 2020. 

A doleira Nelma Kodama, que voltou a ser presa, desta vez em Lisboa. Foto: Dida Sampaio/Estadão
Outro integrante do núcleo, Claudio Rocha Junior, está preso em Portugal. Ele é suspeito de integrar o grupo criminoso, tanto no tráfico internacional como na lavagem de capitais. Ele estaria, além do Brasil, atuando em vários países da América do Sul, além dos Estados Unidos, Austrália e Europa, como Portugal e Espanha.

O relatório da PF demonstra que Rowles Magalhães e Ricardo Agostinho (outro suspeito de integrar o núcleo principal da organização) são as pessoas que organizam os voos internacionais entre Brasil e Portugal para o transporte da droga. Rowles possui dupla nacionalidade (brasileira e portuguesa), o que facilita o seu trabalho na organização criminosa. Segundo a PF, ele é lobista e já foi assessor especial do gabinete da vice-governadoria em Mato Grosso. 

O advogado Adib Abdouni, que atua na defesa de Rowles e Nelma, disse que seus clientes são inocentes. Ela deve ser extraditada para o Brasil nos próximos dias. O advogado Luiz Alberto Derze, que atua na defesa de Nilton Borgato, disse que as acusações “não demonstram  qualquer envolvimento do investigado com as trativas ilícitas”. Segundo o advogado, “trata-se de  meras suposições e presunções que serão esclarecidas em tempo e modo devido”.  Ele disse que Borgato “nega com veemência as levianas imputações sustentadas" pelas investigações.

O Estadão não localizou as defesas de Ricardo Agostinho, Marcelo Infraero e Claudio Rocha Junior. 

Apreensões realizadas na Operação Descobrimento

Núcleo secundário fazia operações logísticas e financeiras

Suspeitos de integrar o segundo núcleo:

Marcos Paulo Barbosa, vulgo Papito

Fernando de Souza Honorato

Marcelo Lucena da Silva

Edson Carvalho Sales dos Santos

O segundo núcleo da organização, segundo a PF, é integrado por quatro homens responsáveis pela parte operacional e financeira. Conforme o relatório da PF, Marcos Paulo Barbosa, vulgo Papito, e Fernando de Souza Honorato eram responsáveis pela parte operacional da organização. A parte financeira ficava com Marcelo Lucena da Silva e Edson Carvalho Sales dos Santos.

Papito seria, segundo as investigações,  o sócio da Lopes & Ferreira assessoria Ltda, empresa responsável pelo fretamento da aeronave de prefixo CS-DTP marca Falcon, modelo 900B, apreendida em Salvador em fevereiro do ano passado. Um outro sócio da Lopes & Ferreira nega que a empresa tenha fretado o voo.

O integrante da facção PCC Marcelo Mendonça de Lemos foi o responsável pela contratação do voo, iniciado em 27 de janeiro de 2021, em Cascais, em Portugal, tendo como destino final a cidade de Jundiaí (SP), onde, em hangar situado "no aeródromo daquela urbe, ocorrera a introdução do entorpecente” afirma a PF. O voo custou 145 mil euros, pagos em espécie. 

De acordo com a Polícia Federal, droga era escondida na fuselagem da aeronave Foto: PF
Marcelo Infraero e Papito, em sociedade, "mantêm hangaradas duas aeronaves de pequeno porte que utilizam em atividades criminosas relacionadas ao tráfico de entorpecentes em conluio com os demais integrantes da organização especialmente Rowles e Ricardo Agostinho”, diz trecho do relatório da PF.

Fernando Honorato trabalha no hangar da empresa Fly Away, o aeródromo da cidade de Jundiaí. Segundo as investigações, ele ocupa o cargo de diretor da empresa. “E valendo-se da condição de diretor forneceu acesso aos demais integrantes da organização criminosa, para o carregamento de mais de quinhentos quilos de cocaína na aeronave”, diz o relatório da PF.

Marcelo Lucena da Silva, segundo as investigações, é o doleiro/pagador que Rowles Magalhães e Ricardo Agostinho recorriam para suas transações com o dinheiro proveniente do tráfico de entorpecentes.

O Estadão não conseguiu contato com as defesas de Marcos Paulo Barbosa (o Papito), Fernando de Souza Honorato, Marcelo Lucena da Silva e Edson Carvalho Sales dos Santos. A reportagem também não conseguiu contato com a empresa Fly Away. 

Tabletes de cocaína escondidos nas fuselagens dos aviões
Terceiro núcleo ocultava a droga na fuselagem de aeronaves

Suspeitos de integrar o terceiro núcleo: 

Mansur Mohamed Benbarka Heredia

Lincon Felix dos Santos

Edson Borges dos Santos

Richard Rodrigues Consentino

Cícero Guilherme Conceição Desidério

Segundo a Polícia Federal, um terceiro núcleo seria integrado por Mansur Mohamed Benbarka Heredia, Lincon Felix dos Santos, Edson Borges dos Santos, Richard Rodrigues Consentino e Cícero Guilherme Conceição Desidério. 

Todos eles, apontam as investigações, exerciam a função de carregar a droga até a aeronave e ocultá-la na sua fuselagem. Mansur, segundo o comandante da aeronave em que foi encontrada a droga, era consultor aeronáutico e um dos passageiros da aeronave que veio de Portugal ao Brasil. 

Lincon Felix dos Santos, ainda de acordo com as investigações, teria sido o responsável por coordenar o trabalho de carregamento da aeronave apreendida em Salvador em 9 de fevereiro de 2021. 

Apreensão que deu início as investigações em fevereiro de 2021

Conversas interceptadas pela PF e autorizadas pela Justiça revelam que Lincon era interlocutor de Marcos Paulo no Whatsapp, e as conversas revelam sua participação na introdução do entorpecente na aeronave, junto com Marcelo Infraero e Papito. 

No relatório da PF consta que Dilson Borges e Cícero Guilherme foram contratados por Marcelo Infraero “para o carregamento da droga e sua introdução na aeronave, a qual se encontrava no Hangar da empresa Fly Away Aviação, em Jundiaí, cujo diretor é o investigado Fernando de Souza Honorato”.

Por ter carteira profissional de mecânico de aeronave, a polícia indica que Consentino “deve ter auxiliado Mansur Mohamed a desmontar e esconder a droga na fuselagem do avião”.

O Estadão não conseguiu localizar as defesas de Mansur Mohamed Benbarka Heredia, Lincon Felix dos Santos, Edson Borges dos Santos, Richard Rodrigues Consentino e Cícero Guilherme Conceição Desidério. 

Fonte: Jornal o Estado de São Paulo/ESTADÃO