Centenas de olhos estavam direcionados a nós. Com a cabeça raspada, vestindo roupas brancas e fortemente tatuados, os presos sabem que estão sendo observados e devolvem o olhar do outro lado das grades.
Leire Ventas
Role,BBC World Service
Reporting from
El Salvador
11 fevereiro 2024
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Imagem de divulgação do novo centro de detenção de El Salvador - Foto: Governo de El Salvador/ Via Reuters |
É um projeto gigantesco construído no meio do nada que, mais do que qualquer coisa, simboliza a controversa política de segurança de Bukele.
Miguel Sarre, ex-membro do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, descreve a megaprisão como um “buraco negro dos direitos humanos” e um “fosso de concreto e aço onde existe um cálculo perverso para se desfazer de pessoas sem aplicar formalmente a pena de morte”.
Mas essa é ao mesmo tempo uma das principais razões para a enorme popularidade de Bukele numa nação que foi abalada por notórias gangues — Mara Salvatrucha, Barrio 18, Los Revolucionarios e Los Sureños.Vista aérea noturna do Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), em El Salvador/Presidência de El Salvador via Getty Images
“Aqui estão os psicopatas, os terroristas, os assassinos que enlutaram o nosso país”, anuncia o diretor do centro, que não quer ser identificado, mas se deixa filmar.
Ele será nosso guia durante a visita cuidadosamente calculada às celas.
“Não olhe nos olhos deles”, ele nos avisa.
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Centenas de olhos estavam direcionados a nós. Com a cabeça raspada, vestindo roupas brancas e fortemente tatuados - Imagem: LISSETTE LEMUS/BBC |
A cadeia é chamada de a “Alcatraz da América Central”, em referência à prisão de segurança máxima dos EUA que funcionou entre 1934 e 1963 em uma ilhota.
Mas a prisão em El Salvador não aparenta nada degradada: tudo é novo e pintado recentemente.
Guardas encapuzados vigiam de cima, com grandes armas na mão.
Abaixo, os presos sobem nos beliches de quatro andares onde dormem; sem colchão ou lençol, deitam-se sobre o metal e comem com as mãos arroz e feijão, ovos cozidos ou macarrão.
“Qualquer utensílio pode ser uma arma mortal”, justifica o diretor.
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O diretor do Cecot conduziu jornalistas estrangeiros pela prisão - Imagem: LISSETTE LEMUS/BBC |
E não há mais nada a fazer senão ver o tempo passar.
Os reclusos só podem sair das celas durante 30 minutos ao dia, para fazerem exercício — utilizando apenas o peso do próprio corpo — no corredor central do bloco 3, que nós, jornalistas, estamos visitando.
Existem outras sete unidades como esta — prisões independentes dentro do enorme complexo que cobre o equivalente a sete estádios de futebol, cercado por duas cercas eletrificadas e dois muros de concreto armado, e guardado por 19 torres.
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Detentos dormem em superfície de metal, sem colchão ou lençóis - Imagem: LISSETTE LEMUS/BBC |
Ou mesmo quantos presos realmente estão ali na prisão que, segundo o governo, pode acomodar até 40 mil pessoas.
Apesar de meses de pesquisa, a BBC ainda não tem uma resposta para essas perguntas.
Questionamos o diretor, que responde: “Não podemos fornecer essa informação”.
“Qual é a capacidade máxima de cada cela?”, nós insistimos.
“Onde cabem 10 pessoas, cabem 20”, diz o diretor.
Por trás de sua máscara anti-covid, vejo um sorriso.
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A BBC e outros veículos de imprensa participaram de uma visita cuidadosamente calculada à megaprisão - Imagem: LISSETTE LEMUS/BBC |
Direitos humanos
Desde a sua inauguração, em 31 de janeiro de 2023, a BBC solicitou frequentemente acesso à megaprisão.
O convite chegou finalmente no dia 6 de fevereiro através de uma mensagem no WhatsApp do assessor de imprensa internacional da presidência: “Iremos esta noite ao Cecot”.
O ponto de encontro e o horário nos foram informados apenas meia hora antes da hora marcada para a partida.
Dois dias haviam se passado desde que Bukele se declarou reeleito com 85% dos votos, alegando que seu partido havia conquistado quase todas as cadeiras na Assembleia Legislativa antes mesmo de os cartórios contarem os votos.
“Esta seria a primeira vez que existiria apenas um partido num país com um sistema totalmente democrático. Toda a oposição foi pulverizada. El Salvador voltou a fazer história neste dia”, comemorou Bukele da varanda do Palácio Nacional na tarde do dia das eleições.
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O presidente Bukele falou a apoiadores na varanda do Palácio Nacional no dia da eleição - BLOOMBERG VIA GETTY |
Ninguém questiona a vitória presidencial de Bukele; a atenção tem se voltado à disputa pelos 60 assentos na Assembleia Legislativa, cujo controle é crucial para o programa de Bukele.
Ao proclamar a vitória, Bukele exaltou conquistas do seu primeiro mandato na área de segurança e atacou os críticos diante de uma multidão entusiasmada na praça central de San Salvador, a capital.
“Passamos de país mais perigoso do mundo a país mais seguro de todo o Hemisfério Ocidental, o país mais seguro de todo o continente americano, e o que dizem? ‘É uma violação dos direitos humanos'”, disse.
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A super prisão foi construida em menos de 01 ano, em outras circunstâncias, especialistas calculam que a construção levaria no minimo 03 anos - Imagem: Gogle Earth - antes e depois |
A visita que vários repórteres de veículos da imprensa internacional realizariam dois dias depois poderia ser considerada uma continuação deste argumento.
Nosso destino foi a prisão que é símbolo da política de segurança de Bukele e do “estado de exceção” — uma medida justificada como emergencial que concede poderes draconianos à polícia e aos militares — que está em vigor há dois anos.
Cerca de 70 mil pessoas foram detidas sob esta medida; El Salvador tem hoje a maior taxa de encarceramento do mundo.
Outros foram forçados a colaborar com as gangues, seja como vigias ou para esconder armas ou drogas para elas, por medo de consequências caso se recusassem a fazer isso.
A Cristosal, a principal organização de direitos humanos no país centro-americano, documentou casos de tortura e mais de 150 mortes sob custódia do Estado durante o “estado de exceção”.
Num relatório publicado em dezembro, a Anistia Internacional criticou a “substituição gradual da violência das gangues pela violência estatal”.
Nenhuma instituição externa ou ONG visita a prisão, diz-nos o diretor, que no entanto garante que a cadeia cumpre os padrões internacionais.
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As medidas de segurança na prisão incluem uma máquina de raio X para detectar itens escondidos que mostram até órgãos internos - Imagem: LISSETTE LEMUS/BBC |
Segurança a qualquer custo
Depois de passarmos pela segurança — revistas, perguntas sobre tatuagens e uma máquina de raio X que expõe até os intestinos em uma tela —, somos levados a conhecer alguns prisioneiros.
O diretor queria que ficássemos cara a cara com os "inimigos".
Os guardas tiram cinco indivíduos pré-selecionados de suas celas, mas não antes de colocarem algemas em seus pulsos e tornozelos. Agachados e subjugados, eles ficam de frente para a parede.
Eles não têm permissão para conversar.
"Venha aqui. Vire-se, por favor. Tire a camisa."
O diretor nos apresenta o primeiro preso: Miguel Antonio Díaz Saravia, vulgo “Castor” e “assassino da [gangue] Mara Salvatrucha”, nos dizem.
Em 2022, ele foi condenado a 269 anos de prisão por raptar, torturar e assassinar, junto com outros membros de gangues, quatro soldados em outubro de 2016.
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As tatuagens deste preso indicam que ele é membro da gangue Mara Salvatrucha - Imagem: LISSETTE LEMUS/BBC |
“Lembro-me de quando encontraram seu corpo desmembrado em um canal lá em San Vicente”, me conta mais tarde um fotógrafo salvadorenho que está sentado ao meu lado em nossa volta à capital.
“Tive que cobrir a exumação e vi os legistas colocando os pedaços na mesa”, continua a conversa macabra.
A próxima hora de estrada torna-se uma revisão de histórias de horror e de crimes terríveis das gangues, como aquele em que 17 passageiros de um micro-ônibus foram queimados vivos em 2010.
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Detentos do Cecot passam apenas 30 minutos por dia fora das celas - Imagem: LISSETTE LEMUS/BBC |
“Se você fosse lá, não voltaria.”
Nos dias que antecederam as eleições de 4 de fevereiro, eu ouvi histórias semelhantes nas feiras de rua, nos bairros pobres, nos hotéis e nas praias.
Também escutei vários comentários em apoio ao estado de exceção, o que indicava aquilo todas as sondagens previam: uma vitória iminente de Bukele na votação.
Depois de viver por décadas com a extorsão à porta e a violência na próxima esquina, a maioria dos salvadorenhos com quem falei pareciam dispostos a pagar o preço de Bukele pela segurança.
Aqui em SP não tem Polícia Penal! VERGONHA
ResponderExcluirSP precisa com urgência de cadeias assim. Quem sabe a gozolandia acabe.
ResponderExcluirPrecisamos de politicos assim , urgentissimo!
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