‘Infelizmente, os presídios do Rio viraram grandes escritórios do crime’, diz promotor
POR ANTÔNIO WERNECK 30/09/2017 4:30
atualizado 30/09/2017 7:22
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Vista aérea do Complexo Penitenciário de Gericinó |
RIO — Poucos dias antes de a Defensoria Pública da União pedir ao Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira, uma liminar que autorize o retorno para cadeias estaduais de todos os detentos que cumprem penas há dois anos ou mais em presídios federais, uma fiscalização de rotina do Ministério Público do Rio no Complexo de Gericinó mostrou como é frágil o controle nas penitenciárias fluminenses. Promotores encontraram dentro de celas, na semana passada, nove celulares, dezenas de chips de operadoras e carregadores, além de maconha, cocaína, uma balança para pesar drogas e dinheiro.
O Ministério Público fez a varredura em apenas uma galeria do Instituto Penal Benjamin de Moraes Filho. Um detalhe: a unidade, que abriga cerca de 950 detentos — integrantes do Terceiro Comando Puro —, tem um scanner corporal em perfeito estado e detectores de metais. Agora, autoridades da área de segurança investigam a possibilidade de chefes do tráfico presos ali terem recrutado comparsas que estão soltos para invadirem a Rocinha no último dia 17, por conta de uma aliança com a facção Amigos dos Amigos.
TECNOLOGIA NÃO IMPEDE CRIMES
Durante a vistoria na cadeia, quatro detentos foram autuados em flagrante — algo que virou rotina nas fiscalizações realizadas este ano pelo Ministério Público. “Infelizmente, os presídios do Rio viraram grandes escritórios do crime”, afirmou um dos promotores que estiveram no presídio e que registraram a apreensão na 34ª DP (Bangu):
— Achamos sempre celulares nas celas, e a balança que recolhemos comprova que a venda de drogas dentro da cadeia é algo realmente comum. Os presídios do Rio não estão preparados para receberem de volta os chefes das facções que se encontram no sistema penitenciário federal.
Um policial que acompanha a situação do Instituto Penal Benjamin de Moraes Filho concorda com o promotor. Para ele, não seriam investimentos em tecnologia que mudariam a situação nas penitenciárias do estado.
— Apesar das fiscalizações, do scanner corporal, dos detectores de metais e dos bloqueadores de sinal de telefonia, os presídios do Rio são verdadeiras peneiras. Os detentos continuam controlando seus negócios do lado de fora — afirmou o policial, que pediu para não ser identificado.
Não é só o tráfico que consegue burlar restrições dentro de penitenciárias. Numa unidade onde estão presos milicianos, a Cadeia Pública Bandeira Stampa, em Bangu, uma outra fiscalização do Ministério Público, realizada em março, encontrou de tudo: celulares, chips de operadores, pen drives, carregadores e até facas. Além disso, promotores acharam R$ 12 mil numa cela.
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Comboio policial com o traficante Nem passa pela guarita de entrada do Complexo de Gericinó ( Imagens de Arquivos) |
No mês passado, um agente penitenciário foi flagrado, durante uma fiscalização do Ministério Público, com R$ 9 mil, quatro chips de operadoras e duas cartas de presos. Um detalhe impressionou promotores: boa parte das cédulas apreendidas com o servidor tinham a sigla de uma facção.
— Não há, por parte da Secretaria estadual de Administração Penitenciária, uma investigação adequada sobre o envolvimento de funcionários do sistema com o crime organizado. Em regra, punições para casos de flagrante de irregularidade não passam de simples transferências — afirmou um promotor.
Na semana passada, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, ofereceu ao governo do estado um efetivo de militares para fazer revistas dentro das penitenciárias fluminenses. Setores de inteligência das Forças Armadas levantaram, durante a Olimpíada de 2016, informações sobre crimes praticados dentro dos presídios do Rio.
De acordo com a proposta da União, uma tropa entraria nas cadeias com equipamentos de ponta para localizar celulares e armas. A proposta, no entanto, não foi aceita pelo Palácio Guanabara. O GLOBO apurou que o governador Luiz Fernando Pezão recusou a ajuda após uma consulta ao secretário de Administração Penitenciária, coronel Erir Ribeiro Costa Filho.
A Secretaria de Administração Penitenciária não comentou o caso. Em nota, o órgão destacou que “diariamente são realizadas operações de revistas de rotina aleatoriamente nas unidades prisionais do estado”, e lembrou que conta com banquinhos, portais e raquetes que detectam metais, além de raios X de bagagem e scanner corporal, no complexo de Gericinó, que abriga 51.111 detentos.
POLÊMICA ENTRE ESPECIALISTAS
Um projeto que poderia reduzir as chances de chefes do crime organizado transmitirem ordens para suas quadrilhas vem causando polêmica entre especialistas em segurança pública. Conforme o GLOBO informou no último dia 21, o Palácio do Planalto estuda a possibilidade de bloquear o contato físico entre detentos e visitantes em cadeias federais, restringindo os encontros a espaços conhecidos como parlatórios, onde um vidro separa os interlocutores, que conversam por telefone.
Há ainda um plano de criação de uma regulamentação que permita a gravação dos diálogos. O ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho é favorável à medida:
— Esse monitoramento é necessário. No ano passado, em São Paulo, o Ministério Público fez uma investigação e encontrou indícios de que advogados de detentos repassavam instruções para integrantes da facção Primeiro Comando da Capital. Chegou a hora de o poder público endurecer as regras para as visitas nos presídios.
O jurista Manoel Peixinho disse que o sigilo da relação entre o advogado e seu cliente, previsto no Estatuto da Advocacia, não pode ser considerado um direito absoluto.
— A imunidade concedida para os advogados não pode servir de pretexto. Em certas situações, deve prevalecer o interesse público — afirmou Peixinho, que integra o conselho regional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ).
Guaracy Mingardi, analista criminal e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acredita que o monitoramento dos diálogos não impediria um preso de transmitir ordens para sua quadrilha
— Um detento pode mandar uma mensagem por meio de códigos.
Ex-diretora do sistema penitenciário do Estado do Rio na década de 1990, a socióloga Julita Lemgruber é contrária ao projeto:
— Seria uma violação da intimidade dos presos e não resolveria o problema. Tenho dúvida sobre o custo-benefício disso. Os detentos podem manter contato com comparsas em liberdade por intermédio de servidores corruptos.
Fonte: O Globo