Amigos, ao invés de um artigo ou texto jurídico, hoje trago o relato de uma atuação institucional.
Bruno Baghim
Defensor Público Sábado, 28 de Abril de 2018
Foto: Presídio de Lucélia/Facebook
Penitenciária de Lucélia que teve suas instalações destruidas durante a rebelião |
Trato do incidente na Penitenciária de Lucélia-SP, em que três defensores públicos e dezenas de presos foram mantidos como reféns durante rebelião que se iniciou na tarde de 26/4 (quinta-feira), findando-se na sexta, 27/4, pouco após o meio dia.
No exercício de minhas funções como Defensor Público, juntamente com outros colegas, estive por vinte horas na referida penitenciária participando das negociações com os detentos, e gostaria de transmitir um pouco do que houve
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Em primeiro lugar, diversamente do que tem sido noticiado, os defensores mantidos como reféns não cometeram qualquer erro ou ato de imprudência. São defensores experientes, corajosos, mas jamais irresponsáveis. Tenta-se culpá-los pelo que houve, o que é um absurdo.
Agiram como centenas de outros colegas fazem diariamente, de forma séria e competente, e se ficam expostos a riscos, isso é natural e inerente à função – até porque não sei se outras carreiras enfrentam perigos semelhantes para expor as mazelas do sistema prisional, indo além de meras visitas burocráticas, cafezinhos e risos com diretores de penitenciária. O risco é inevitável, e não é nossa culpa. A diferença é que não nos acovardamos. Mas voltemos ao caso.
Logo que cheguei à penitenciária tive que enfrentar o risco de invasão. Parte do comando local das forças de segurança pensava em enviar o choque para tomar a prisão, mas me opus. Fiz contatos com a administração superior da Defensoria Pública, e com secretários de Estado, e felizmente foi vetada qualquer invasão.
A partir dali (fim da tarde de quinta), os negociadores da PM intensificaram seu trabalho. Pude acompanhá-los até os pavilhões (com os policiais fazendo questão de zelar pela minha integridade) para presenciar as negociações, sendo que já deixo registrado o elogio aos policiais militares negociadores da região de Lucélia pelo excelente trabalho, realmente excepcional.
Infelizmente, não avançamos, e a noite se aprofundou. Houve a chegada do GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) da Polícia Militar, vindo da capital, e que assumiu as negociações. Novamente, um trabalho de excelência. A essa hora, os colegas representantes da Defensoria Pública-Geral já haviam chegado e tomado à frente no meu lugar em nome de nossa Instituição.
A madrugada passou, “dormi” umas duas horas em meu carro, e retornei ao interior da penitenciária. No início da manhã, voltamos com o GATE para o pavilhão, para acompanhar e participar das negociações. E aí, felizmente as coisas avançaram, e ao longo da manhã de sexta (27/4), os reféns foram gradativamente liberados.
Os presos foram extremamente respeitosos com os defensores, sem qualquer violência. As reivindicações, em geral, todas legítimas, muito embora o meio utilizado para isso tenha sido o pior possível. Mas o sistema prisional é desumano, e isso é inegável.
Felizmente, tudo correu bem. Deixo meus parabéns à Polícia Militar do Estado de São Paulo pelo brilhante trabalho dos negociadores da região de Lucélia e do GATE, bem como aos colegas que participaram do processo, auxiliando para que atingíssemos um desfecho favorável. Também cumprimento os amigos que, serena e destemidamente, enfrentaram a privação de liberdade, sendo também fundamentais para a resolução da questão.
Quanto à nossa atuação, estejam certos de que os eventos de Lucélia não mudam nada: seguimos na luta por um país menos desigual, contra qualquer tipo de opressão, olhando pelos esquecidos, por aqueles que são excluídos da sociedade desde o ventre materno.
Não sairemos das prisões. Se o Estado é contra o crime e a violência, que cumpra a Lei de Execução e a Constituição. Estaremos sempre de olho, por perto. E se nos acham incômodos, ótimo.
Bruno Bortolucci Baghim é Defensor Público do Estado em São Paulo
Fonte: Justificando