14 dezembro 2018

MATÉRIA DA PONTE, ESTARRECEDORA : Como o Governo de SP assistiu uma penitenciária virar sede do PCC

A Ponte teve acesso a gravações feitas a partir de escutas ambientais nas celas de integrantes da facção na P2 de Presidente Venceslau; equipamento foi comprado pelos funcionários com recursos próprios.







Por Josmar Jozino e Maria Teresa Cruz
14/12/18

Penitenciária de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo | Foto: Edson Lopes Jr




Gravações feitas a partir de escutas ambientais instaladas em celas de seis raios da P2 de Venceslau, no interior de São Paulo, obtidas pela Ponte, mostram como integrantes do PCC(Primeiro Comando da Capital) conseguiram construir uma rede de comunicação, dar fluxo aos negócios e instalar uma espécie de es escritório-sede dentro de uma unidade prisional de segurança máxima.

Agentes penitenciários tiraram dinheiro do próprio bolso para comprar equipamento de escuta ambiental na rua Santa Ifigênia, no centro da capital paulista, e fazer a investigação por conta própria entre os anos de 2010 e 2013.

Escondidos e cautelosos para não chamar a atenção dos presos do PCC, funcionários se arrastavam no teto do presídio e instalavam o equipamento para ouvir todas as conversas de lideranças da facção nas celas. De maneira praticamente artesanal, em meio a poeira, ratos, baratas, insetos e um calor de mais de 40 graus, conseguiram identicar o dia a dia de detentos sem qualquer diculdade em fazerem ligações para fora do presídio, enviavam e recebiam fotos, e-mails e mensagens. Assim também faziam planilhas e cuidavam da contabilidade da organização, de dentro da P2.

Quatro anos antes, em maio de 2006, o PCC paralisou São Paulo, se rebelou simultaneamente em 71 unidades prisionais, matou policiais e assustou o Brasil. A resposta das forças de segurança aos ataques derramou muito sangue nas periferias das cidades paulistas em episódio que ficou conhecido como “Crimes de Maio”. O chefe da Secretaria da Administração Penitenciária na época era Nagashi Furukawa, que foi substituído por Antonio Ferreira Pinto.

A sensação dos que trabalhavam no sistema era de que a violência crescia na mesma medida de certa apatia do governo no que diz respeito ao combate do crime organizado, que se estabelecia cada vez mais na P2.

Com a troca de cadeiras ao longo dos anos- José Serra, Geraldo Alckmin, aliados como Claudio Lembo e o atual governador Marcio França- ; o PSDB é quem tem monopolizado a administração do estado há duas décadas. Com João Doria eleito governador nas últimas eleições, o tucanato garantiu mais 04 anos.

No mesmo período, os chefões do PCC estruturavam a facção mantendo nas celas telefones celulares de última geração, como smartphones, trazidos por funcionários corrompidos, como um dos áudios denuncia.

Entre os dias 2 e 4 de fevereiro de 2009, por exemplo, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) fez uma varredura eletrônica na P2 e detectou 591 telefones celulares com os presidiários. Era praticamente um aparelho para cada preso. Naquela época, o governo do Estado ainda não havia providenciado bloqueadores de celular na unidade prisional. A instalação de bloqueio de sinal na P2 aconteceu em janeiro de 2014.

Mesmo assim, o sistema de comunicação e organização da facção já estava estabelecido, como mostra o conteúdo do material coletado pela escuta ambiental comprada e implantada pelos agentes penitenciários.

A Ponte teve acesso a nove CDs com gravações de conversas dos presos. Entre os detentos monitorados estão Daniel Vinicius Canônico, o Cego; Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka; Wanderson de Paula Lima Santos, o Andinho; Julio César Guedes de Moraes, o Carambola e Cláudio Barbará. Todos são da alta cúpula da organização criminosa.

Tiveram ainda as conversas monitoradas nas celas dos presos Rogério Geremias de Simone, o Gegê do Mangue;  Fabiano Alves de Souza, o Paca; e Edilson Borges Nogueira, o Biroska. Os dois primeiros foram mortos em circunstâncias ainda não apuradas, quando estavam soltos, no Ceará, em fevereiro deste ano.Biroska foi assassinado por rivais durante um banho de sol no raio 4 da P2 de Presidente Venceslau, em dezembro de 2017.

Nas escutas ambientais feitas nas celas da liderança do PCC é possível ouvir os detentos conversando ao tomar banho; falando sobre ações criminosas e acertos com policiais corruptos; escutando músicas no rádio; assistindo TV, principalmente noticiários; e até usando a descarga do banheiro.

Nas gravações de áudio realizadas na cela de Cego dá para ouvir o preso ensinando o parceiro de xadrez como usar o telefone celular. “Vamos supor que todos os números que eu liguei aqui não consegui falar por causa dos números mesmo. Mas *500 vai falar. Nem que seja pra você ouvir: ‘você não tem saldo suciente’. Mas vem ligação. E se vem ligação, você aperta a campainha aqui ele já vira o próprio auto falante, certo?”, explica Cego para o companheiro, que não sabia manusear o aparelho, mas aprendeu com o amigo em poucos segundos.


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Fonte: Ponte Jornalismo