27 janeiro 2019

DORIA AVISOU QUE IRIA PRIVATIZAR, MATÉRIA DE 02/08/18, NÃO DERAM OUVIDOS : Doria aposta em privatizações e prioriza sistema prisional de SP

Tucano quer importar sistema de complexo privado de MG, que é mais caro e sem superlotação.







Artur Rodrigues
2.ago.2018 às 2h00


João Doria aposta suas fichas na privatização do sistema prisional




SÃO PAULO - A campanha de João Doria (PSDB) segue a receita usada na Prefeitura de São Paulo e aposta nas privatizações. Se eleito governador, ele promete desestatizar o sistema prisional paulista.

O tucano deixou a prefeitura sem conseguir concluir nenhuma das privatizações e concessões prometidas. Entre elas, estão a venda do Anhembi, a concessão do Pacaembu, de parques e mercados.

No Estado, até agora a estrela do pacote de privatizações é a mudança em relação ao sistema prisional, responsável por um orçamento de R$ 4,5 bilhões ao ano. São Paulo tem 227 mil presos em 170 unidades, no ambiente dominado pela facção PCC (Primeiro Comando da Capital).

O modelo de prisão privada, usado nos Estados Unidos, é polêmico por ser visto como incentivo ao encarceramento em massa. Doria mira exemplo mais próximo, de uma parceria público-privada adotada em Minas Gerais, administrada pela GPA (Gestores Prisionais Associados).

"Vamos usar o modelo de Ribeirão das Neves [cidade perto de Belo Horizonte], que é de privatização. O complexo não tem fuga, não tem celular", afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan. "Todos os presos trabalham oito horas por dia, primeiro para pagar o custo que representam à sociedade", completou ele, que promete emprego a todos os detentos em São Paulo.

O formato privado tem diferenciais positivos em relação ao sistema convencional, mas não quanto ao emprego bastante relacionado ao interesse de empresários.

Vejam o vídeo abaixo de Cintia Rangel Assumpção, Confederação do Servidores Públicos do Brasil em debate sobre privatização do Sistema Prisonal no Senado Federal 





O índice de detentos trabalhando no complexo mineiro é menor do que o do Estado de São Paulo. Na prisão privatizada, é de 23%, contra 27% no sistema prisional paulista.


Por outro lado, o modelo desestatizado tem mais presos estudando, taxa de 37%, contra 15% em SP.
Para o presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da OAB-MG (Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Minas Gerais), Fábio Piló, o complexo apresenta condições melhores que os presídios comuns, como lotação dentro de sua capacidade. Outro ponto positivo, diz ele, é que administração privada é pressionada por multas em caso de problemas em áreas como limpeza e segurança.

O advogado diz, porém, que presos menos perigosos acabam indo parar ali. "Por que há uma espécie de seleção? Porque, se ocorrerem motins e rebeliões, é considerado uma falta para empresa e ela é multada", afirma. A GPA nega haver seleção.

Inaugurado em 2013, o complexo mineiro ainda não teve rebelião, mas registrou casos de fuga —em um deles, um detento escapou no meio de trouxas de roupa.

A infraestrutura resulta num valor maior gasto por preso na unidade, que hoje é de R$ 3.750 —que inclui investimento na estrutura do complexo. A média das prisões mineiras, diz Piló, é menor: R$ 2.600.

Corremos sério risco de promover um encarceramento em massa com as privatizações, dado a necessidade
se manter os contratos e a ocupação das Unidades Privatizadas




Em SP, o valor seria de R$ 1.650, levando em consideração o orçamento da pasta responsável pelas prisões e o número de presos, embora possa haver outras variáveis.

Uma polêmica que gravita o tema é a mercantilização do sistema prisional, tema levantado pelo documentário 13ª Emenda. O filme mostra como prisões privadas nos Estados Unidos geraram uma indústria muito lucrativa, e o lobby do setor articulou aprovação de leis mais duras no Congresso e aumentou seu faturamento.

O advogado Fábio Tofic Simantob, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), diz que os norte-americanos começaram a rever essa política. "São soluções que ficam bonitas perante a opinião pública. Como se privatizar seja sempre algo bem-vindo. Mas isso esconde outras questões", diz.

O advogado diz que o modelo trará custo extra, por embutir o lucro das empresas sobre um serviço que o Estado já paga. "E vai mercantilizar um sistema que não pode trabalhar na lógica da oferta e procura", diz.

Ele alerta para o risco do contato entre empresas privadas e facções criminosas. "Como o estado pode transferir para uma empresa privada o controle do crime organizador dentro dos presídios?".

Custos, diferenças e vantagens dos sistemas, sem se atentar para o problema das facções presentes no
sistema paulista(Clique na imagem para ampliar)






Doria enfrentará uma situação complexa, com prisões superlotadas e déficit de 88 mil vagas. O setor também acumula suspeitas de corrupção em licitações, além da presença da maior facção criminosa ordenando uma série de crimes pelo país.

O presidente do Sifuspesp (sindicato dos agentes), Fábio Ferreira, diz que Doria desconhece a realidade no estado. "Ele revela que o lobby observado no Congresso Nacional em defesa da privatização do sistema prisional encontra candidaturas que apoiam os seus interesses", diz.

Sobre os maiores custos, a assessoria do tucano afirma que buscará solução economicamente viável, mas que não considera gasto "investimento na dignidade humana e em uma sociedade mais segura".

A campanha de Doria afirma que a finalidade é aumentar o número dos presos trabalhando e estudando, além de evitar superlotação e motins. "O modelo de PPPs nos presídios do Estado vai ao encontro da defesa de um Estado mais eficiente", diz em nota.






Fonte: Folha de São Paulo


Contraponto: 



Julita Lemgruber fala sobre a provatização e superlotação dos presídios






Entrevista com Julita Lemgruber em 14/01/2017, socióloga e diretora-geral do sistema penitenciário do Rio de Janeiro entre 1991 e 1994

A privatização é o pior dos mundos porque traz a ilusão de que é rápido e fácil construir novas unidades prisionais e colocá-las em funcionamento. “O problema é que isso tem um custo para a sociedade. Estes contratos de Parceria-Público-Privada (PPP) são de 29, 30 anos, ou seja, o Estado se compromete em manter aquelas prisões com ocupação total por décadas”, afirma.

Falência da justiça criminal


Para a socióloga Julita Lemgruber, nas últimas décadas não houve nenhum investimento adequado na estrutura prisional, mas é preciso relacionar a crise também ao mau funcionamento do sistema de justiça criminal no Brasil. “Nós temos uma quantidade vergonhosa de presos provisórios (40% do total), por exemplo. E a gente já provou, por pesquisas, que a maior parte deles, quando julgados, acaba recebendo uma pena diferente da pena de prisão. Ou seja, eles ficam presos provisoriamente de forma absurdamente irregular e ilegal.

Um dos problemas no Brasil é a falta de respeito às nossas leis”, afirma, citando ainda o trabalho de pesquisa realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), intitulado Ministério Público: guardião da democracia brasileira?, em que se demonstrou que o órgão não cumpre as funções que lhe foram destinadas pela Constituição de 88. “O que se percebe é que essas pessoas que integram o MP e o Judiciário são membros da elite, e uma elite que é reacionária, conservadora e punitiva”.

Leia trechos da entrevista:


Quais políticas e/ou falta delas, nos levaram à situação de barbárie que estamos presenciando hoje nos presídios?

Um dos problemas é a falta de respeito às nossas leis. A lei é muito clara em relação à prisão provisória, por exemplo. Ela diz que só deve ficar preso provisoriamente quem tiver possibilidade de tumultuar o processo, de intimar a testemunha ou pôr em risco a ordem pública. Na verdade, o nosso Judiciário e o Ministério Público, extremamente conservador e elitista, acabam usando essa referência ao risco à ordem pública como estratégia para manter as pessoas presas, quando a gente sabe que a grande maioria dos presos que povoam as prisões neste país são pessoas que não são violentas e que não são perigosas.

Eu não estou defendendo a impunidade. As leis devem ser cumpridas. O problema é que a gente acaba privando da liberdade quem não é violento, quem não é perigoso, e que poderia ser punido com penas diferentes da pena de prisão, com penas alternativas ou prestação de serviços à comunidade, por exemplo. Enquanto sociedade, nós aplaudimos o Judiciário que escolhe prioritariamente a privação de liberdade como punição. Até mesmo porque é uma forma de controle social cara e que não transforma criminosos em não criminosos.

O objetivo desta estratégia em se manter as pessoas presas é uma forma de publicidade frente a essa sociedade?

Nós, enquanto sociedade, não ganhamos absolutamente nada com isso. É ilusório acreditar que taxa de criminalidade tem alguma relação com número de presos. Inúmeras pesquisas em vários países do mundo já demonstraram que a taxa de encarceramento não provoca reduções proporcionais na taxa de criminalidade. Agora, há essa crença fantástica de que a pena de prisão é o castigo por excelência que precisa ser distribuído. O que a gente sabe é que a pena de prisão serve de forma seletiva.

Nestes casos, pessoas de outro extrato social que estão sendo punidas em forma de prisão, é ponto fora da curva. Porque meia dúzia de executivos de empreiteiras, ou de políticos que estão sendo encarcerados não é prova de que a lei é igual pra todos. A regra é que a pena de prisão foi feita para o pobre. Você não encontra, em sua quase totalidade dos presos, pessoas de extratos sociais mais privilegiados. Essas pessoas podem pagar bons advogados e se safam da cadeia.

A Lei de Drogas fortalece a cultura do encarceramento?

A Lei de Drogas é a legislação que retrata com fidelidade essa seletividade do sistema penal. É uma lei que dá margem ao Judiciário para condenar como traficante o jovem negro da favela que ou é usuário ou é aquele que está fazendo um pequeno tráfico, muitas vezes pra financiar o seu próprio consumo. Se você examina o usuário da zona sul do Rio de Janeiro, ou dos Jardins, em São Paulo, você vai ver que rotineiramente essas pessoas são paradas pela polícia e não são levadas para a cadeia, nem são rotuladas de traficante. A nossa legislação na área de drogas dá margem ao sistema de justiça criminal a rotular como traficante o pobre, negro, favelado, que porta pequenas quantidades de drogas para o seu próprio consumo.

Quais questões a senhora apontaria para mudar esse cenário?

O próprio Gilmar Mendes tem defendido, nos últimos dias, mutirões carcerários, descriminalização do uso de droga… Ele, como ministro do STF, tem sido lúcido nesta avaliação, e teve uma atuação importante no Conselho Nacional de Justiça que determinou mutirões carcerários que realmente contribuíram na redução de presos provisórios no país. O cardápio de ações está posto. Não é novidade para ninguém, todo mundo sabe o que precisa ser feito. Mas precisa ter vontade política para fazer e não pode ter medo da opinião pública.