21 abril 2019

SISTEMA PENITENCIÁRIO DE GOIÁS : Presença de facções obriga criação de alas e presídios exclusivos para líderes em Goiás

Diretoria Geral de Administração Penitenciária isola cabeças do PCC e do Comando Vermelhos nos presídios de Anápolis e Formosa.









Por Rodrigo Hirose 
21/04/2019 00:00

Inaugurados há pouco mais de um ano, os presídios de Formosa (à esquerda) e de Anápolis recebem os líderes
 do Comando Vermelho e do PCC em Goiás | Foto: Governo de Goiás


Quinta-feira, 18 de abril. A imagem em negativo, produzida por um escaner corporal, mostra o corpo de uma mulher. Na vagina, um objeto chama a atenção dos agentes penitenciários que fazem a segurança do Presídio Estadual de Anápolis. A averiguação comprova: a mulher, cujo nome não foi divulgado, levava cerca de 220 gramas de maconha para o marido, que está preso no local.

A ocorrência é rotineira e não chamaria mais a atenção não fosse um detalhe. Inaugurado há um ano, o Presídio Estadual de Anápolis tem uma população carcerária com perfil específico. É ali que a Diretoria Geral de Administração Penitenciária mantém a custódia de aproximadamente 400 líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), cujo braço goiano está espalhado em praticamente todo o território estadual.

A penitenciária foi uma das últimas obras entregues pelo então governador Marconi Perillo. A construção levou cerca de seis anos. Com R$ 19 milhões aplicados, a capacidade é para 300 presos, mas esse limite frequentemente é extrapolado.

Poucos dias antes, o governador tucano havia entregue outro presídio, o de Formosa. Com estrutura e valor de investimento semelhante, a unidade do Entorno do Distrito Federal é outra que recebe prioritariamente presos faccionados. A diferença é que, em Formosa, são lideranças do Comando Vermelho, facção que nasceu no Rio de Janeiro mas que tem presença em todo o País.

Como está dividida as facções no Centro de Privação Provisória(CPP)







Os dois casos demonstram como a estrutura da Segurança Pública estadual, assim como ocorre em praticamente todo o Brasil, precisa colocar na balança do planejamento o poderio desses grupos criminosos. Na prática, é a condição de faccionado que determina o local em que um preso cumprirá sua sentença.

Quando da inauguração dos presídios, o então Diretor Geral de Administração Penitenciária, coronel Edson Costa Araújo, afirmou que a intenção era ocupar as vagas gradativamente. Os planos tiveram de mudar após a intervenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as duas unidades foram ocupadas rapidamente.

Divisão busca evitar confrontos

Há muitos anos o alojamento de presos leva em conta a existência de risco para eles dentro dos presídios. Na Penitenciária Odenir Guimarães, no Complexo de Aparecida de Goiânia, entre os critérios da triagem dos presos consta a pergunta: “Você tem divergência com algum outro preso?”. O mesmo ocorre na Casa de Prisão Provisória (CPP), que abriga presos que aguardam julgamento.

A diferença é que até há poucos anos a preocupação era com rixas pessoais, divergências que são levadas de fora para dentro dos presídios. Atualmente, o fator com mais peso é a adesão a alguma facção. O resultado, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, é o loteamento das alas e celas entre os grupos criminosos organizados.

Divisão das facções na Penitenciária Odenir Guimarães(POG)


Na Odenir Guimarães, o Comando Vermelho domina as alas A e B. O PCC está na ala C. Ali, o grupo divide território e poder com os Amigos do Estado (ADE), uma facção genuinamente goiana que se aliou ao Primeiro Comando da Capital. “O ADE existia antes da chegada do PCC a Goiás. Eram presos daqui mesmo que se juntaram e, agora, se aproximaram do PCC”, diz um oficial da Polícia Militar de Goiás, que pede sigilo.

Na Casa de Prisão Provisória, a delimitação de espaço segue a mesma lógica. Ali, o CV domina as alas 1A, 2B, 3B e 4B (essa ligada à ala B da POG). O PCC fica nas alas 1B, 2A, 3A feminino e 4A (essa ligada à ala C da POG). Além desses grupos, há também a facção chamada Bonde do Ozama (BDO).

A divisão faz parte da estratégia da DGAP de evitar confrontos entre os faccionados, como ocorreu em janeiro de 2018, quando nove presos foram assassinados durante uma rebelião. A decisão tem tido resultados. Desde então, não houve novos conflitos de tal envergadura.
Contudo, todo remédio tem efeitos colaterais. Isolados, os grupos acabam ganhando coesão, pois contam com a privacidade necessária para realizar seu planejamento longe dos olhos e ouvidos rivais. É o preço pela “paz” dentro do sistema carcerário.

Essa solidificação dos grupos e a facilidade da comunicação com o mundo fora das grades, seja por meio de mensageiros, seja por aparelhos celulares, tem como consequência conhecida crimes ocorridos por encomenda. A facilidade com que os líderes das facções coordenam as ações nas ruas provoca situações inusitadas. “A maioria dos alvos dos mandados de prisão nas operações contra os grupos organizados já está dentro dos presídios”, diz o promotor Luciano Miranda.

Sistema não consegue impedir entrada de armas e de aparelhos telefônicos


À esquerda, mulher de um faccionado foi flagrada com drogas dentro do corpo. No meio e à direita, material
apreendido no Complexo Prisional. Ambos os flagrantes ocorreram na semana passada


As apreensões cotidianas de armas, aparelhos de telefone celular e drogas mostram o quanto o sistema penitenciário é permeável. Na quarta-feira, 17, uma operação interna, que teve participação do Grupo de Operações Penitenciárias, apreendeu 25 celulares, 27 facas e chuchos (facas improvisadas) e porções de drogas no complexo prisional.

Por isso, o controle de visitas nos presídios dedicados aos líderes das facções em Anápolis e Formosa é mais rigorosa que na maioria das demais unidades prisionais. O equipamento utilizado para descobrir a droga nas partes íntimas de uma mulher em Anápolis, o escaner corporal (bodyscan), é raro no sistema.

Mas quem vive a rotina carcerária sabe que as condições necessárias ainda estão muito aquém do necessário. Presidente da Associação dos Servidores do Sistema Prisional de Goiás (Aspego), Jorimar Bastos diz que é preciso mais investimento em métodos e meios eletrônicos de vigilância, como aquisição de aparelhos de raio-x e escaner corporais.

Outras soluções, como os bloqueadores de telefonia celular, nunca funcionaram efetivamente, apesar de a Secretaria da Segurança Pública já ter adquirido equipamentos do tipo. Dessa forma, a rotina, que já é pesada em qualquer presídio, fica ainda mais tensa nas unidades dedicadas a receber líderes das facções. “Esses presos geralmente têm um maior poder aquisitivo e muita influência nos crimes do lado de fora”, lembra o presidente da Aspego.

Associação cobra ampliação do efetivo, mas Governo diz que não fará novos concursos


O presidente da Aspego diz que a resolução dos problemas dos sistema prisional, que ultrapassam a questão das facções organizadas, passa pela recomposição do efetivo, reaparelhamento, armamento e equipamentos de proteção individual dos servidores. Jorimar Bastos cobra, ainda, valorização profissional e reestruturação da carreira dos Agentes Prisionais.

Jorimar Bastos, presidente da Aspego:
“O sistema prisional seriedade e profissionalismo”
Bastos diz que a comunicação telefônica dos presos com comparsas que estão livres pode ser impedida com bloqueadores eficientes e retirada das tomadas elétricas das celas. “É preciso tratar o sistema de execução penal com a seriedade e profissionalismo que o momento exige, e isso só pode ser feito com quem realmente conhece o cárcere e tem a capacitação técnica e operacional para isso, os agentes prisionais”, afirma.

Atualmente, segundo o Portal da Transparência do Governo de Goiás, existem cerca de 1,4 mil agentes penitenciários e 2,4 mil vigilantes penitenciários temporários. Bastos diz que, em Anápolis, em cada plantão atuam até 12 profissionais para fazer a vigilância de 400 presos. No sistema todo, a proporção chega a um agente por grupo de 80 presos.

A reivindicação, contudo, não deve ser atendida este ano. O Governo de Goiás já confirmou que não fará novos concursos públicos, nem mesmo para a Segurança Pública.

Procurado pela reportagem, o presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema de Execução Penal de Goiás, Maxwell Miranda, não quis falar sobre o assunto.

Em nota, DGAP diz que Governo investe para solucionar a questão


As autoridades ligadas à Segurança Pública evitam se estender sobre o assunto. Procurada pelo Jornal Opção, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás não se pronunciou. Já a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) se manifestou por meio de uma nota. Leia abaixo o texto na íntegra:

A Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) informa que, por determinação do Governo de Goiás, trabalha com investimentos para as soluções das questōes, por hora pautadas por esse respeitado veículo de comunicação, traçadas também em parceria com o Ministério Público do Estado e Tribunal de Justiça de GO.

O assunto solicitado enseja ações operacionais de restrito conhecimento de segurança penitenciária para o bem do resultado operacional estratégico. Os problemas do sistema prisional local não são exclusivos de GO, mas comuns aos presídios do Brasil.

Ademais, a DGAP esclarece à sociedade que todas as questões referentes ao cárcere no Estado estão sendo tratadas com rigor e seriedade por este Governo.





Fonte: JORNAL OPÇÃO