Quatro unidades oferecidas a empresas neste ano terão gestão compartilhada.
Rogério Pagnan
20.mai.2019 às 2h00
O governador de São Paulo, João Doria - Governo do Estado de São Paulo/Divulgação |
SÃO PAULO - A entrega de dez novas unidades prisionais pelo governo paulista, ainda neste ano, deve reduzir em quase 10% o déficit de vagas no estado e dar início a uma era de privatizações no sistema carcerário de São Paulo.
Serão 8.323 novas vagas divididas em 9 CDPs (centro de detenção provisória) e uma penitenciária feminina. O déficit atual é de 89.196 vagas.
As quatro primeiras unidades oferecidas à iniciativa privada fazem parte desse lote de CDPs, construídos pelo estado, que devem funcionar em esquema de gestão compartilhada —parte de funcionários do estado e (maior) parte de empresas contratadas.
São todos em cidades distantes da capital e, segundo estimativa do governo, devem estar funcionando até o final de outubro deste ano. São duas em Gália (a 393 km de SP) e as outras em Aguaí (a 193 km) e Registro (a 188 km). Elas têm capacidade para 823 pessoas.
Segundo a Administração Penitenciária, cinco empresas demonstraram interesse. São empresas que já prestavam serviços em cidades de Minas Gerais e Santa Catarina.
Por esse modelo, dos 160 trabalhadores previstos para o funcionamento de presídios desse porte, 12% (19) serão dos quadros da Secretaria da Administração Penitenciária, e ocuparão funções como diretor-geral e de disciplina.
Presos do PCC são trasferidos de presídio no oeste paulista para unidades federais Divulgação |
A segurança das muralhadas e o transporte de presos serão feitos apenas por funcionários do estado.
O prazo de contrato será de cinco anos, com custo mensal estimado entre R$ 3.800 e R$ 5.500 por interno. Os valores dependem do pacote de serviços que a unidade exigir.
“Vai depender da quantidade de serviços que o estado vai querer conceder. Se quiser só alimentação, por exemplo, vai ser mais barato. Mas se quiser alimentação, médico, dentistas, psicólogo, roupa, aí o preço é outro”, diz o secretário da Administração Penitenciária de SP, Nivaldo Restivo.
Pelo modelo estatal, um preso custa cerca de R$ 2.400 ao mês, segundo o governo, mas o valor não inclui gastos previdenciários com os agentes.
O especialista em segurança pública Luís Sapori, que estudou o sistema de privatização de Minas Gerais (um dos estudados por São Paulo), disse considerar a privatização uma “saída interessante”, mas não o modelo lançado por Doria .
“Aí é quase que uma terceirização dos serviços. Confesso que não gosto desse modelo, que tende ser muito mais movido pelos fins lucrativos. Já o modelo PPP [parceria público-privada] envolve um tipo de relação entre público e privado em outros moldes, na qual o ganho econômico fica restrito ao cumprimento de metas e ao interesse público.”
Presos do PCC são trasferidos de presídio no oeste paulista para unidades federais Divulgação |
O especialista disse preferir outro modelo de concessão, em PPP, que ainda está em estudo pelo governo paulista.
Nessa modalidade, as unidades são construídas pela iniciativa privada e as concessões têm prazos de 35 anos. O edital para esse tipo deve ser publicado só em 2020.
Dessa forma, a gestão Doria pretende construir ao menos três complexos prisionais com quatro a cinco presídios cada um. Dois terrenos estão sendo analisados para isso, ambos na Grande SP.
A audiência pública sobre os quatro primeiros presídios ocorreu no início do mês e foi marcada por protestos de representantes dos funcionários, que prometem resistir à política de privatização.
“Eles começam com quatro unidades, mas isso daí pode se alastrar”, disse Fábio Cesar Ferreira, o Jabá, presidente do Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo).
O secretário Nivaldo Restivo diz que os agentes estão receosos com a privatização, mas sem motivos. “Nós estamos dando garantias de que eles não terão nenhum tipo de prejuízo. Todos serão aproveitados no sistema. Não existe o risco de um particular tirar o cargo deles”, disse ele.
Restivo disse, ainda, que falta senso crítico em análises sobre política de encarceramento, ao afirmar que haverá uma indústria de prisões.
Presos do PCC são trasferidos de presídio no oeste paulista para unidades federais Divulgação |
“Só vai ser encarcerado a pessoa que praticar um fato típico, antijurídico e culpável. Ou seja, quem cometer um crime. O estado não vai pegar qualquer pessoa e colocar na cadeia para enchê-la. Não existe isso.”
Para o diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sério de Lima, diante de crise fiscal que assola os estados brasileiros, a parceria com as empresas privadas é uma opção —mas há cuidados a serem tomados.
“Precisamos aproveitar o que é positivo, mas que não acabe consolidando uma situação a tal ponto de torná-la irreversível, porque vai desequilibrar o contrato.”
“Os EUA criaram um problema quando privatizaram tudo, porque se criou um mercado, hoje você tem que manter uma população grande. O próprio Trump reconheceu que não dá para manter 2,2 milhões de presos.”
Os EUA têm a maior população prisional do mundo e a maior de encarceramento com 655 prisioneiros por 100 mil habitantes. No Brasil, esse número é de 324 por 100 mil.
No final de 2018, Trump assinou uma lei que fez uma reforma no sistema de justiça criminal do país.
Fonte: Folha de São Paulo