19 agosto 2019

AGENTES PENITENCIÁRIOS, VIDAS SUBMERSAS: Rebeliões, perigo, estresse, depressão; a realidade do agente penitenciário em MT

Servidores carcerários vivem em estado de alerta constante e sofrem com as condições de trabalho e com o desgaste emocional.







Repórter: JOÃO FREITAS
19/08/2019


Imagem reprodução




Poucas profissões são capazes de proporcionar situações extremas de perigo, como rebeliões, motins e ameaças, combinado ao estresse e ao estado de alerta constante, como a de agente penitenciário. Esses profissionais são responsáveis pela manutenção da ordem nos presídios do país, pela integridade física dos detentos e pela segurança da sociedade.

Nesta semana, em Mato Grosso, os agentes carcerários estão nos holofotes da imprensa após uma operação deflagrada nesta terça-feira (13), que visa verificar as condições estruturais das celas da Penitenciária Central do Estado (PCE) e acabar com as regalias dos detentos, por meio da retirada de materiais em desconformidade com o estabelecido no Manual de Procedimento Operacional Padrão (POP) do Sistema Penitenciário. Após a ação, será realizada uma ampla reforma nos raios 1, 2, 3 e 4 da unidade prisional. A operação será realizada em todos os complexos prisionais do Estado.

O fato gerou a revolta dos detentos e de seus familiares, que protestaram na frente do Fórum da Capital. Em razão da operação, os reeducandos ficarão sem receber visitas por uma semana.

Boatos nas redes sociais levantaram a hipótese de que uma facção criminosa realizaria um “salve” (ordem de ataques contra a ordem pública), após divulgação de mensagens de áudio, supostamente enviadas por membros da organização.

O burburinho foi desmentido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso (Sesp-MT), que classificou as ameaças como “fake news" e que “só servem para causar pânico na sociedade”; três pessoas foram presas suspeitas de serem as autoras do conteúdo.

O secretário da Sesp, Alexandre Bustamante
A intervenção na PCE resultou na apreensão de aparelhos televisores, ventiladores, lâminas de barbear, sanduicheiras, entre outros produtos. O secretário da Sesp, Alexandre Bustamante, pondera que a faxina feita na penitenciária vai melhorar a qualidade de vida na unidade, além de garantir maior segurança aos confinados. “O procedimento tem o objetivo de frustrar qualquer tentativa que possa afetar a segurança da unidade prisional”.

Segundo a presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário de Mato Grosso (Sindspen-MT), Jacira Maria da Costa, a operação já estava programada. Porém, dois fatos recentes aceleraram a deflagração da força-tarefa:

Entrega de freezer camuflado com celulares na PCE


No dia 6 de junho, um homem, ainda não identificado, entregou um freezer camuflado com 84 telefones celulares, além de carregadores, fones de ouvido, chips e facas na Penitenciária Central do Estado. De acordo com a investigação, o aparelho seria entregue, com a anuência da direção da unidade, a Paulo Cesar da Silva, conhecido como “Petróleo”, e Luciano Mariano da Silva, vulgo “Marreta”. Ambos pertencem ao alto escalão da facção criminosa Comando Vermelho.

Entrega de freezer camuflado com celulares na PCE


Porém, a Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO) constatou que não havia nenhum
registro ou informações de entrega de eletrodomésticos na penitenciária no dia. A Polícia Civil também conseguiu comprovar que, duas horas antes do freezer ser apreendido, os diretores da PCE participaram de uma longa reunião a portas fechadas com policiais militares e um dos líderes da organização criminosa, na sala da direção.

Os diretores da PCE e os três policiais envolvidos no escândalo estão presos.



Assassinato de agente prisional em Lucas do Rio Verde


Agente Elison Douglas da Silva foi executado na porta
de sua casa que passava por reformas
Elison Douglas da Silva trabalhava no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Lucas do Rio Verde (334 km de Cuiabá-MT) e estava de folga na noite do dia 30 de junho. Ele estava na porta de sua casa, que passava por reformas, no momento em que criminosos armados o executaram com cerca de 20 disparos.
Ele morava em outra residência com a mulher e o filho e passava constantemente pelo local onde foi assassinado para levar materiais para a obra.

Cinco suspeitos de envolvimentos no assassinato foram presos.

Em homenagem ao agente morto, a operação foi batizada com o nome de Elison Douglas.


Resposta à sociedade


Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, a presidente do sindicato ressaltou que a operação na PCE é também uma resposta à sociedade, em razão da imagem negativa que os servidores do sistema penitenciário suspeitos de participação no primeiro caso citado trouxeram para a classe.

Jacira Costa presidente do Sindspen-MT
“Mesmo com a suposta participação dos diretores no crime, foram os agentes penitenciários que
fizeram toda a abordagem e que passaram o freezer pelo scanner para descobrir o material ilícito. [...] No flagrante do profissional que tentava levar telefones para o interior das celas, também foi uma situação descoberta por agentes penitenciários [...] Esses fatos são negativos para a imagem da categoria, mas, ainda assim, mostra um lado bom. Demonstra a seriedade da maioria dos servidores do sistema carcerário”, valorizou Jacira.


Presos enviam carta à Justiça relatando tortura nos presídios; Sindspen-MT rebate


Nesta semana, detentos da PCE enviaram uma carta manuscrita para o juiz Geraldo Fidelis, da Vara de Execuções Penais da Capital, relatando que parte dos agentes prisionais da unidade costuma torturá-los.

O documento foi assinado por 1.512 presos e denuncia que alguns servidores entram nos raios da carceragem jogando bombas, usam spray de pimenta e fazem disparos com balas de borracha para machucar os detentos. Ainda de acordo com a carta, os agentes chegam a incitar rebeliões e motins para que a categoria tenha motivos para reivindicar o pagamento do Reajuste Anual Geral (RGA).

Sobre as denúncias, a presidente do Sindspen-MT negou o conteúdo da carta e rebateu todas acusações. “São afirmações falaciosas e infundadas. Em nenhum momento foi falado sobre pagamento de RGA. Eles [detentos] sempre vão reclamar. Se forem tratados a ‘pão-de-ló’, ainda vão falar que são torturados”.

Jacira Costa também levantou suspeita sobre a denúncia dos presidiários e disse que nenhuma irregularidade foi comprovada nas fiscalizações realizadas.

“Essa carta caluniosa afirma que nós incitamos rebeliões, mas desde janeiro não houve nenhum registro de motins ou tortura em nenhum dos complexos carcerários da Capital. É muito estranho eles levantarem esse tipo de acusação em meio a essa operação, que vai tirar regalias de muitos deles [...] Caso houvesse algum ilícito, isso seria apontado pelos órgãos responsáveis pelas correições dos presídios em Mato Grosso”.

“A nossa valorização é a menor entre todos os órgãos dentro da segurança pública" afirma Jacira Costa
 presidente do Sindspen-MT



Rotina desgastante


A jornada de trabalho dos agentes prisionais no Estado é de 24 horas de trabalho por 72 horas de repouso [24x72]. De acordo com um estudo do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), a expectativa média de vida de um servidor penitenciário fica na faixa etária de 40 a 45 anos, em razão dos problemas de saúde contraídos durante o exercício da profissão, muitas vezes em condições precárias de trabalho. As doenças mais comuns são diabetes, hipertensão, ganho de peso, estresse e depressão.

Para Jacira Maria, além de acarretar em problemas de saúde, a estrutura dos complexos prisionais no Estado pode levar os profissionais a serem cooptados pelo mundo do crime, devido, segundo ela, a desvalorização do Governo de Mato Grosso com a categoria.

“A nossa valorização é a menor entre todos os órgãos dentro da segurança pública e a nossa condição de trabalho, atualmente, se encontra pior. Antes, estávamos dentro de uma secretaria [Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos - Sejudh] onde tínhamos certa independência. Agora [com a extinção da pasta], viemos incorporados junto a Sesp-MT e não temos proximidade com o secretário chefe”.

Jacira ressalta que o sistema penitenciário conquistou muitos avanços quando atuava sob a competência da Sejudh e diz temer que a categoria sofra retrocessos com a fusão das pastas. Ela destaca que o distanciamento com Alexandre Bustamante atrapalha o desenvolvimento do trabalho dos agentes. Ela ainda acusou o secretário de privilegiar outros setores da segurança pública em detrimento dos servidores do sistema carcerário.

“Nossa classe rompeu barreiras e alcançou inúmeras melhorias para o sistema prisional. Antigamente, problemas comuns como falta de coletes balísticos, armamento e materiais de insumo para a saúde e para o setor administrativo eram resolvidos de forma direta. Hoje em dia, enfrentamos muita burocracia. É muito mais difícil. É difícil chegar até esse secretário que dá prioridade para outros órgãos como Polícia Militar, Polícia Civil e Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec). Estamos temerosos com esse verdadeiro regresso”.

A jornada de trabalho dos agentes prisionais no Estado  do MT é de 24 horas de trabalho
 por 72 horas de repouso [24x72]


Perspectiva de melhorias


A presidente do Sindspen-MT não vê o panorama atual se modificando a curto prazo e colocou o reestabelecimento do diálogo com a cúpula da Sesp como um dos pontos norteadores para trazer desenvolvimentos na área. Ela também enfatiza o trabalho do Poder Judiciário, que por meio dos “Conselhos da Comunidade”, ajuda a melhorar a estrutura física das unidades prisionais.

“O trabalho feito pelo Judiciário na melhoria dos complexos contribui muito não só para as condições de trabalho dos agentes, mas também na ressocialização dos detentos. Os Conselhos da Comunidade investiram na ampliação das unidades penitenciárias de várias cidades do Estado e tem desempenhado o papel que o Executivo deveria fazer”.

Jacira também parabenizou o engajamento de outros órgãos como a Defensoria Pública de Mato Grosso, Ministério Público Estadual, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a iniciativa privada, por meio dos empresários do comércio a da indústria por possibilitarem avanços na temática.


Acompanhamento médico


Quando um servidor é detectado com algum tipo de problema emocional em razão do trabalho, ele é acolhido pelo Núcleo de Saúde e Qualidade de Vida (NSQV). O órgão de segurança pública é responsável pelo acolhimento do paciente para atendê-lo e encaminhá-lo a um psiquiatra. Dependendo do diagnóstico, o agente penitenciário pode ser afastado por um período de 30 a 180 dias.


Outro lado


Procurada pelo Circuito Mato Grosso, a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso (Sesp-MT) disse que não vai se pronunciar a respeito das críticas recebidas.




Fonte: CIRCUITOMT