29 setembro 2019

PRIVATIZAÇÃO E LUCRO: Ausência de capacidade de aprendizagem, privatização carcerária e repetição de um sistema falido

O movimento privatista que assola o sistema carcerário nesse inicio de mandato de governos estaduais confirma que o Brasil, mais do que nunca, é entusiasta da importação de políticas estrangeiras.







Por Kauana Vieira da Rosa Kalache
29 de setembro de 2019

A lógica que move os interesses privatistas é apenas uma: O Lucro



Porém, para além disso, confirma nossa tendência em buscar soluções para problemas sociais sem o devido estudo e afinco necessários para instauração de políticas competentes e duradouras.

Assim como com as demais importações de políticas públicas – a exemplo da justiça penal negociada, que esteve presente no pacote Anticrime de Sergio Moro, deveríamos ter conhecimento e discutir criticamente a experiência internacional acerca da privatização carcerária, assim como o funcionamento deste sistema no Brasil, onde implementado, como por exemplo na Parceria Público-Privada de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais ou no Complexo Penitenciário Anisío Jobim – COMPAJ, para citar alguns.

Como justificativa para a privatização, tanto no estado de São Paulo como, nesta semana, no Paraná,  constam argumentos de ordem econômica – com a diminuição do custo por pessoa presa para os cofres públicos, além daqueles envolvendo questões de segurança e estrutura física.

A experiência internacional comprova a falha do sistema prisional privado no atingimento desses objetivos. Utilizando os Estados Unidos como exemplo, referência de referida política, relatórios do escritório de departamento de justiça – Justice Department Office of the Inspector General’s report –  apontam que os presídios contratados são menos seguros que os públicos, detectando-se que incorreram em maiores incidentes per capta envolvendo a segurança física dos internos.

Complexo penitenciário de Ribeirão das Neves onde o custo do preso é alto em relação a média  nacional e
escolhidos a dedo para ocuparem a U.P-  Foto: Pedro Silveira / Agência O Globo




O sistema privado também fica atrás do público no que tange a segurança estrutural do sistema. Dentre as atividades ilegais ocorridas em maior número no sistema privado estão: contrabando, ataques, uso de força, lockdowns (entendidos como uma espécie de greve, tomada de espaço ou intervenção dos presos), maior culpabilidade de internos em processos disciplinares e maiores queixas de abusos por parte das autoridades carcerárias.

Tais situações se justificam quando se tem um sistema que visa o lucro e necessita reduzir gastos, como aqueles existentes em relação à segurança. Fato que se comprova com a investigação e publicação do livro “American Prison: A Reporter’s Undercover Journey into the Business of Punishment.” do jornalista Shane Bauer.

Bauer atuou disfarçadamente como carcereiro em um dos presídios do grupo CoreCivic, gigante no ramo de presídios privados nos EUA – Louisiana. Neste período constatou que, ao contrário dos objetivos iniciais declarados, os custos com a segurança, desenvolvimento e ressocialização dos presos, bem como os gastos com educação e atendimento médico são aniquilados em prol do lucro empresarial.

American Prison by Shane Bauer



Em seu livro ele relata, por exemplo, que existe grande resistência em encaminhar um interno para atendimento médico, inclusive citando o caso de um preso que perdeu as pernas por ausência de tratamento. Relata também o corte generalizado em programas educacionais, além do mau pagamento dos profissionais do cárcere – expondo salários de guardas no montante de 9 dólares a hora, por turnos de 24 horas, portando apenas rádios e com o objetivo de vigiar mais de 1.500 detentos.

O jornalista ainda corrobora os relatórios que evidenciam a situação violenta de tais presídios, ressaltando que durante treinamento profissional, os guardas não eram encorajados a intervir em brigas que ocorressem entre detentos, até porque, conforme declarado pelos interlocutores do treinamento, guardas não recebem valor suficiente que justifique atuação tão comprometida.

Com o complexo de sistema prisional sendo a indústria que mais cresce nos Estados Unidos, a Califórnia baniu o sistema privado no estado. Dentre os argumentos para a nova política figura o fato de que a mão de obra carcerária serve de incentivo para o aprisionamento em massa.

Nos  EUA, há mais de 500 mil presos sem condenação, Imigração vem ‘abastecendo’ o setor, ações dispararam
no governo Trump, país é o que mais prende no mundo- Flickr/Alexander C. Kafka - 8.ago.2014


Além disso, acionistas corporativos praticam lobby por sentenças mais longas, o que lhes garante força de trabalho e lucro, tendo inclusive o partido progressista, após estudo do caso, comparado os presídios privados à uma imitação de campos de concentração Nazistas em relação ao trabalho escravo. Cabe ressaltar que a remuneração por hora de trabalho do detento varia entre 17 centavos de dólar e 1,25, a depender do complexo prisional, assim como as horas de trabalho diárias variam entre 6 e 8.

Fatores como longas sentenças para crimes não violentos (como posse de pequena quantidade de drogas), a lei dos “three strikes”, com prisão perpétua após o cometimento do terceiro crime, a lei de sentenciamento mínimo e o crescimento exponencial do mercado de trabalho presidiário – todos vigentes na legislação da Califórnia, foram detectados como responsáveis por elevar o potencial lucrativo dos que investem na indústria prisional.

Como resultado das práticas acima citadas, a Califórnia baniu o sistema prisional privado desde 2008 e a Senadora norte americana Elizabeth Warren propõe atualmente o banimento de presídios privados no país como um todo.

Presos dos EUA fizeram greve contra “escravidão moderna” em 2018- Greves de fome e recusas ao trabalho
aconteceram em 17 estados-Tayeb MEZAHDIA via Pexel/Creative Commons



A experiência brasileira também nos é rica em dados e informações que não diferem da realidade internacional. Acontecimentos recentes comprovam a ineficácia do sistema em garantir a segurança e conter a violência intramuros dos presídios privados, citando-se como exemplo a tragédia ocorrida no COMPAJ, bem como na Casa de Detenção de Pedrinhas, no Maranhão.

Em estudo realizado em 2015 acerca de presídios privados no Amazonas, incluído o COMPAJ, o Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) aponta uma auto governança dos presos, com regras extralegais ou até mesmo ilegais, com a extorsão e ameaça de detentos, sendo a averiguação de tais práticas quase impossível ante a ausência do Estado. Há precariedade de estrutura, tortura, maus tratos. Peritos inclusive reafirmaram que a gestão terceirizada facilita situações de violência como as ocorridas em 2017.

Além disso, sendo o objetivo da Parceria Público-Privado a redução dos custos por detento e, consequentemente, economia aos cofres públicos, dados demonstram um maior custo para o Estado advindo das privatizações. A pastoral carcerária, em nota técnica, analisa a diferença de custos entre o sistema público e privado, corroborando com a tese de que o sistema privado custa mais aos cofres públicos.

Em São Paulo o governador Doria quer privatizar de forma ilegal Unidades Prisionais como os CDPs I e II
de Galia que foram construidas com investimentos do Depen, que proibe PPPs por meio das
Resoluções do CNPCP



Isso porque custo mensal por pessoa presa no estado de São Paulo seria de R$1.580,00 (mil quinhentos e oitenta reais). Já na Parceria Público-Privada de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, após análise do contrato firmado, identifica-se um custo total por pessoa presa de R$3.500,00 (três mil e quinhentos reais) a R$ 4.500,00(quatro mil e quinhentos reais) . Necessário chamar atenção para a cláusula de pagamento de ocupação mínima do presídio, de 90%, constante do contrato.

No Complexo Penitenciário Anisío Jobim – COMPAJ – o custo por pessoa presa é ainda maior, totalizando R$4.700,00 (quatro mil e setecentos reais). Vale lembrar que apenas pequena parcela desse valor é revertido para garantir direitos ao detendo e incentivar sua ressocialização. Ambas experiências, nacional e internacional, comprovam que a privatização do sistema carcerário, além de mais custosa aos cofres públicos, não soluciona os problemas envolvendo a segurança física do detento ou a segurança estrutural do sistema.

CDPs de Gália estão no portfólio de privatização do governo Dória no estado de São Paulo
Imagem: Divulgação




Pesquisas inclusive comprovam maior insegurança no sistema privado de encarceramento. Além disso, há a ocorrência de abusos legislativos e de políticas criminais no intuito de manter o sistema carcerário alimentado de seus clientes, razão pela qual o modelo vem sendo banido em países pioneiros na prática.

Não obstante a isso, em 2019, nos parece uma excelente ideia retornar ao movimento privatista e propagá-lo como solução para a crise carcerária instaurada em nosso país. Realmente precisamos desenvolver nossa capacidade de aprender com os erros, nossos ou alheios, para não repeti-los.





Fonte: CANAL CIÊNCIAS CRIMINAIS