A mulher presa em flagrante obteve um alvará de soltura que não foi cumprido no prazo; nesse período, a mulher deu à luz e tiveram que ficar ambas presas em ambiente insalubre, hostil e inadequado.
Mônica Bergamo
23.jul.2024
Desembargadores condenaram o governo de São Paulo a indenizar a mulher que ficou presa indevidamente |
A mulher foi presa preventivamente, mas, por estar grávida, obteve um alvará de soltura que não foi cumprido no prazo. Ela ficou detida por 78 dias e, nesse período, deu à luz uma bebê.
A decisão, proferida em segunda instância, atendeu a um recurso apresentado pelo Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública de São Paulo.
A 10ª Câmara de Direito Público do TJ-SP reverteu uma decisão de primeira instância que havia negado a indenização. O desembargador Martins Vargas, relator do caso, entendeu que houve negligência do Estado e que mãe e filha foram submetidas a "violações sistêmicas" de seus direitos.
A Justiça foi taxativa em relação a condenação da Administração Pública quanto a prisão indevida da mulher |
Cabe recurso às instâncias superiores
A mulher foi presa em flagrante no dia 16 de abril de 2017 por ter furtado uma televisão de um estabelecimento comercial. Em audiência de custódia realizada no dia seguinte, o juiz decretou prisão preventiva, e ela foi encaminhada para o Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha.
A Defensoria ingressou com um pedido de liberdade provisória, pois a acusada estava grávida e em seu oitavo mês de gestação. O alvará de soltura foi expedido por um juiz da 26ª Vara Criminal do Foro Central Criminal Barra Funda em novembro de 2017.
A determinação, porém, só foi cumprida em 16 de fevereiro de 2018. Durante esse período, a mulher teria sido exposta a condições precárias na prisão, sem acesso a exames neonatais, e deu à luz uma filha que passou os seus primeiros meses de vida encarcerada.
O desembargador entendeu que a prisão preventiva "foi indevidamente prolongada por 78 dias de modo ilegítimo e sem qualquer respaldo legal, em decorrência de negligência do Estado na realização de procedimentos que viabilizam o cumprimento do alvará de soltura".
O magistrado também aponta um relatório de inspeção, apresentado pelo Nudem na ação, do Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha, que mostra que o espaço tinha uma série de problemas estruturais, como superlotação, infiltrações, inundações, bolor nas celas e falta de produtos de higiene.
Em sua defesa, a Fazenda argumentou que deu assistência médica à mulher e que, se ela estivesse em liberdade, o parto "seria realizado em condições mais gravosas" e que a bebê teria vivido "nas ruas".
O desembargador aponta, porém, que a então grávida ficou sem fazer seu ultrassom no último trimestre da gestação por falta de escolta para levá-la ao exame. E que ela apresentou um endereço de residência no alvará de soltura.A mulher segundo o TJSP não teve acesso a exames neonatais e ficou presa por 78 dias
pelo não cumprimento do Álvara de Soltura - Imagem Ilustrativa
A mulher deu à luz no dia 18 de dezembro de 2017, no Hospital Estadual Maternidade de Caieiras, e recebeu alta em 28 de dezembro.
Em sua decisão, o relator diz que as mãe e filha foram "submetidas a condições degradantes próprias ao ambiente carcerário das prisões estaduais, insalubre, hostil e marcado pela violação sistêmica e generalizada de direitos fundamentais, cujos dispositivos punitivos impendem o pleno e digno exercício da maternidade".
Ele ainda cita uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2018 que determinou que gestantes e mães de crianças de até 12 anos presas preventivamente podem cumprir prisão domiciliar.
O Governo de SP argumentou que a mulher respondia por outros processos criminais na época de expedição do alvará de soltura. O desembargador, entretanto, disse que o Centro Integrado de Movimentações e Informações "certificou inexistir óbice à soltura" dela.
"Os graves danos demonstrados pelas autoras têm relação direta com a falha na prestação do serviço jurisdicional", disse o desembargador. "Além do direito fundamental à liberdade de ambas as apelantes, restaram igualmente violados diversos outros direitos de mesma relevância constitucional, como o direito à dignidade humana, do qual decorre a proteção conferida ao pleno exercício da maternidade, a ampla garantia à saúde durante todo o período gestacional."
Fonte: Jornal Folha de São Paulo
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