01 abril 2025

Como facções rivais do PCC dão “salves” e mandam matar em Unidades Prisionais de SP

Em presídios que abrigam inimigos da maior facção do estado, filiados a grupos rivais cometem assassinatos brutais.

Renan Porto

01/04/2025

Vista lateral da Muralha da Penitenciária  "Wellington Rodrigo Segura" de Presidente Prudente - Imagem: Google Maps

São Paulo — A cerca de 60 quilômetros da Penitenciária II de Presidente Venceslau, coração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema prisional de São Paulo, facções rivais brigam por poder e dão “salves” para matar desafetos. No presídio
Wellington Rodrigo Segura, a Cadeia de Montalvão, a hegemonia da maior organização criminosa do estado não prevalece, e os presos têm de viver de acordo com as “leis” de outros grupos.

Com capacidade de 693 detentos, a Cadeia de Montalvão tem, atualmente, 1.023 presos, segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). A unidade recebe pessoas juradas de morte pelo PCC e integrantes de outras facções. Entre elas, a Amigos dos Amigos (ADA) – cujo nome seria uma homenagem à facção carioca – e o Cerol Fino.

No ano passado, a Cadeia de Montalvão registrou pelo menos três homicídios. Em dois dos casos, os autores fazem menção à ADA. Um deles envolve uma suposta dissidência do Cerol Fino.

A Penitenciária de Montalvão tem capacidade para 693 sentenciados, mas em 31 de março de
2025 tinha sob sua custódia uma população carcerária de 1.023 condenados - Imagem Google Maps
“Geralmente, quando um preso entra no sistema carcerário, perguntam se ele é de algum ‘partido’, aí direcionam para o presídio, porque PCC, ADA e Cerol, por exemplo, não se dão. Mas esses salves para matar rivais acontecem”, afirma o delegado Celso Caldeira, que comandou a Divisão de Entorpecentes de Presidente Prudente entre 2013 e 2020.

Em 3 de maio de 2024, Nadson Fernandes Damasceno, de 27 anos, foi encontrado desacordado na cela em que vivia, com afundamentos na face e na nuca. A suspeita é que sua cabeça tenha sido batida contra o solo diversas vezes. Ele foi levado para o Hospital Regional de Presidente Prudente, mas não resistiu.

Jucinei Alves Ribeiro membro do Cerol Fino que afirmou que a vítima traiu o Cero Fino ao se aliar a ADA - Imagem: Reprodução
Jucinei Alves Ribeiro, de 31 anos, que se declarou como integrante do Cerol Fino, foi apontado como autor do homicídio. À polícia, o preso disse que havia apadrinhado Damasceno na facção e o chamado para dividir a cela.De acordo com a versão de Ribeiro, a vítima teria traído a Cerol Fino e se filiado à facção ADA. A dissidência teria feito com que ele fosse jurado de morte. Ribeiro, no entanto, afirma que as agressões não tiveram “nada a ver” com briga de facções.

Meses antes, em 14 de março do ano passado, Anderson da Silva, conhecido como “Carro Roubado” foi brutalmente assassinado, na mesma cela. Três presos foram apontados como autores do crime e disseram que um suposto salve da ADA teria motivado o homicídio.

Ladson dos Santos Pereira o "Zoio de Gato"  e Sandro dos Santos, o "Pesadelo" mat
aram de forma cruel e eviscerararam Anderson da Siva, o Carro Roubado" - Imagem: Reprodução
A vítima sofreu uma série de perfurações com um espeto, foi quase degolada e teve as vísceras retiradas e colocadas em um balde. 

Os acusados – Ladson dos Santos Pereira, “Zoio de Gato”Sandro dos Santos, “Pesadelo”; e Diogo Batista da Silva Claudiano, “Corintiano” – disseram que os supostos “pilotos gerais” da cadeia, “Cabelo” e “Ageu”, ligados à ADA, teriam encomendado a morte.

Diogo Batista da Silva Claudiano, o "Corintiano" que com mais dois comparsas mataram e
eviceraram  Anderson da Silva, o "Carro Roubado" a mando da Facção ADA - Imagem: Reprodução

Ao pronunciar os réus para o Tribunal do Júri, no entanto, o promotor João Paulo Giovanini Gonçalves não levou em consideração as alegações sobre o suposto “salve” da ADA, e considerou a versão de que o crime teria sido praticado em razão de uma briga por chocolate.

“Quando a gente fala que São Paulo só tem uma facção, quer dizer que é a facção que domina, mas tem sempre uns gatos pingados, inclusive de outros estados”, afirma a desembargadora Ivana David, ex-juíza Corregedora dos presídios paulistas e especialista em PCC.

Cela em que o trio de assassinos mataram e retiraram as vísceras de Anderson da Silva o "Carro Roubado" son encomenda de pilotos da ADA custodiados na Unidade Prisional- Imagem: Reprodução
“De 180 estabelecimentos prisionais no estado, pelo menos uns 150 são do PCC. Mas tem estabelecimento prisional destinado aos neutros, que não têm facção nenhuma, e integrantes de outras facções”, acrescenta a magistrada.

ADA

De acordo com o delegado Celso Caldeira, apesar do nome idêntico, não há indícios de que a facção Amigos dos Amigos de São Paulo tenha relação com a homônima carioca. A ADA de SP foi criada em 22 de agosto de 2003, como uma dissidência do PCC, fundado em 1993.

Em seu estatuto, a ADA paulista prega “ocultismo, liberdade e sabedoria”. Assim como o PCC, a facção defende a “irmandade” do crime organizado, mas, ao contrário dos rivais, não permite a saída de seus integrantes.

A Facção Carioca Amigo dos Amigos (ADA), tem faccionados presos no Sistema Prisional
de São Paulo e distribuidos em Penitenciáris e CDPs Neutros - Imagem: Reprodução
“Em termos de questões ideológicas, não tem muita diferença. Na teoria, considerando os estatutos, são todas lutando contra a opressão carcerária das autoridades, do Judiciário e da polícia”, afirma Caldeira.

O delegado afirma que, ao longo dos anos, a ADA estendeu tentáculos para fora do sistema carcerário, seguindo os passos da maior facção do estado. Na região de Prudente, diz Celso Caldeira, a organização conseguiu dominar o tráfico de drogas em algumas comunidades.

“É uma presença pequena. Mas em alguns bairros onde o PCC não conseguiu entrar a ADA dominava. […] Esses grupos conseguem se reorganizar e o organizar financeiramente por meio do tráfico de drogas”, diz.

Marcos Paulo da Silva fundador e serial killer do Cerol Fino - Imagem: Reprodução

Cerol Fino

A facção Irmandade de Resgate do Bonde Cerol Fininho, também conhecida como Cerol Fino ou Bonde do Fininho, ficou conhecida por homicídios brutais praticados contra integrantes do PCC. Seu fundador, o assassino em série Marcos Paulo da Silva, o Lúcifer, rachou com a maior facção do estado em 2013 e então criou seu próprio grupo.

Diagnosticado com psicose, ele confessou – com orgulho – ser o autor de 50 assassinatos dentro de presídios de São Paulo. As vítimas seriam sempre integrantes de facções.

Interrogatório de Lucifer


Em maio de 2022, por exemplo, a Justiça de São Paulo condenou três integrantes do Cerol Fininho por dois homicídios – uma das vítimas foi decapitada. Somadas, as penas pelos crimes ultrapassam 132 anos de prisão.

Lúcifer rompeu com o PCC em razão de a facção “ter perdido a finalidade”. Em depoimentos à Justiça, o “exterminador de faccionados” afirmou que, na visão dele, o grupo começou a fugir do que seria o intuito ou o “ideal”: combater a opressão carcerária.

Fonte: METRÓPOLES

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