05 maio 2025

Policial penal inativo, Hitler mora em Bauru, jogou contra Pelé e trabalhou no "Ipa de Bauru"

Entre vários 'Joões' e 'Marias', um nome bem peculiar - e sombrio - se destaca no painel eletrônico da sala de espera de um consultório médico no Centro de Bauru.

Por Vitor Oshiro | Especial para o JC

04.05.202

Hitler Harvey Pini, policial penal inativo, entrou no Sistema Preisional em 1970 e trabalhou até
sua aposentadoria, um exemplo de caráter e de retidão, um professor para muitos servidores, inclusive para este que escreve 
Quando chega a vez do referido paciente e a voz computadorizada o chama, praticamente todos que estão ali desgrudam os olhos das telas dos celulares e levantam a cabeça com uma cara de "foi isso mesmo que eu ouvi?". Sim. Todos escutaram o mesmo nome. O homem chamado é Hitler Harvey Pini.

Muito diferente da figura assustadora do seu infame homônimo, levanta-se um senhor de 87 anos e bastante risonho, com a ajuda de um cuidador - negro, por sinal - e de sua esposa, a dona Julieta Pini, nove anos mais nova que ele. "Olha que coisa, né? Tem o casal famoso Romeu e Julieta. E aqui é Hitler e Julieta", brinca ela, referindo-se à união de mais de seis décadas - impressionantes 59 anos de casamento após cinco anos e meio de namoro.

Sr. Hitler Harvey Pini exibe seu Registro de Nascimento datado do ano de 1937
Descendente de italianos, Hitler Pini nasceu em Itapuí, no dia 7 de julho de 1937. "Quando meu pai foi me registrar, tinha um homem ali no cartório perto da gente. Meu pai perguntou como ele se chamava e ele falou 'Hitler'. Então, meu pai achou bonito e colocou em mim".

Na ocasião, o líder nazista já exercia o papel de chefe absoluto na Alemanha. Era chanceler e havia absorvido os poderes presidenciais após a morte de Paul von Hindenburg, em 1934.

Aqui, um esclarecimento importante para o restante desta reportagem: o morador de Bauru afirma de forma veemente não ter qualquer afeição ao seu homônimo e nem aos princípios que o ditador defendia. "De jeito nenhum. Odeio guerra. Sou a favor do bem-estar. Tanta coisa boa pra fazer e ele (Hitler) foi atrás de guerra".

O futebol sempre foi a paixao de Hitler, isso até conhecer a Sra. Julieta, na imagem o
Sr. Hitler o último da esquerda para direita em imagem que precedeu mais uma das partidas de futebol de sua juventude
Ainda sobre a escolha da polêmica alcunha, diz que seu pai gostava muito "dessas palavras estrangeiras". Inclusive, o segundo nome teria vindo da famosa universidade norte-americana Harvard. Por aqui, virou "Harvey"

Por mais incrível que pareça, o Hitler, morador de Bauru, não está sozinho. Segundo dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), existem outras 133 pessoas vivendo no Brasil e que têm este mesmo nome. São 55 'Hitlers' - inclusive o desta reportagem - espalhados pelo território paulista.

O policial penal inativo Hitler e a esposa Sra. Julieta e após 59 de casamento, continuam apaixonados - Imagem: Arquivo Pessoal

Não pensou em mudar? 

"Hoje, é mais comum o pessoal mudar de nome. Na nossa época, não era assim. Então, nunca pensei em mudar de nome", relata Hitler Pini, reiterado por sua esposa: "Hoje que isso é mais fácil, né?".

E, segundo o casal, como os tempos eram outros (e a circulação da informação também), nunca houve tantos problemas diante do nome tão negativo. A não ser no dia do batismo.

"Logo no batizado, o padre recusou a me batizar com aquele nome. Não quis. Então, eu acabei sendo batizado como 'José'", recorda-se.

A manobra deu certo e o batismo católico saiu. Tanto que, décadas mais tarde, especificamente em 25 de julho de 1965, Hitler (nota pessoal: confesso que ainda é difícil escrever tal alcunha com naturalidade nesta reportagem) se casaria na Igreja com a dona Julieta. Orgulhosa, ela mostra as várias fotografias da cerimônia, que parecem ter sido tiradas ontem, tamanho o cuidado e a preservação. "Olha eu jovem aqui".

Hitler Harvey Pini, o primeiro da esquerda para a direita, ao lado do goleiro, um volante acirrado
e craque de bola com seu esquadrão o Marabá - Imagem: Arquivo Pessoal

O Rei do futebol

Enquanto a vaidosa esposa admira a sua juventude de outrora, Hitler também relembra esse tempo com entusiasmo. Mas, com a memória em outra paixão: o futebol. "Eu jogava bola. E todo mundo falava que eu era bom, viu. Era aquele meio campo marcador, e que também ajudava os atacantes".

Questionado se era "raçudo" mesmo dentro de campo, dispara seu "maior título": "Eu joguei contra o Pelé", algo que ele, orgulhoso, repete algumas vezes durante o bate-papo.

Foram três jogos no início da década de 50 nos campos bauruenses, segundo ele. De um lado, o Marabá, de Hitler. De outro, o Bauru Atlético Clube (BAC), do Rei do Futebol. De um lado, o homônimo de uma das figuras mais emblemáticas e cruéis quando se fala em guerra. De outro, o jogador que, anos mais tarde, conseguiria o feito de parar uma guerra.

Ao fim da disputa, um empate e uma vitória para cada lado.

Palmeirense convicto, Hitler agora acompanha os jogos do seu time do coração pela televisão - Imagem: Arquivo Pessoal 

Palmeirense

Apesar de carregar no "currículo" o fato de ter enfrentado Pelé, Hitler não fez carreira no futebol. Trabalhou, na verdade, como agente de segurança penitenciária por décadas. Mas, basta trocar algumas palavras com ele para ver como o esporte segue vivo em seu coração. "É o que eu mais gosto de fazer hoje em dia: assistir futebol na televisão".

Na sacada do seu apartamento, o emblema do Palmeiras entalhado em madeira deixa claro o time que torce. Na mesma peça, o nome Hitler também tem destaque, algo que deixaria de cabelo em pé qualquer membro da torcida 'Palmeiras Antifascista'.

Hitler sempre foi um apaixonado por Julieta - Imagem: Arquivo pessoal

Hitler e Julieta

Além de assistir ao sagrado futebol, Hitler gosta de "tomar um vinhozinho". Algo que não tem feito com frequência por causa da saúde. Quando é este o tema, dona Julieta faz um sinal com olhos e com a boca, deixando claro não querer entrar nas particularidades do real quadro clínico perto do marido.

Mesmo assim, ela explica que a consulta médica a qual Hitler aguardava, lá no início desta reportagem, era para "tratar da cabeça", já que colocou uma válvula recentemente por conta de uma hidrocefalia.

Seja por essa razão ou pelo natural passar das décadas, não é raro a memória dele falhar durante a quase uma hora de entrevista. Nesses momentos, o casal se apoia, então, nas já citadas fotografias tão bem organizadas e conservadas.

Em uma dessas "lembranças de papel", Hitler aparece justamente na época em que fazia o Tiro de Guerra, em Bauru. Mas, o que se lê no verso desta foto não tem nada a ver com guerra. Aliás, muito pelo contrário: "A você Julieta, para sempre lembrar este, que nunca te esqueceu e que nunca te esquecerá. Hitler".

Sim. O Hitler de Bauru não era Romeu. Mas era - e continua sendo - um apaixonado por sua Julieta.

Fonte: JCNet

Contraponto: Senhor Hitler, o "Agente de Segurança Penitenciária", hoje Policial Penal Inativo.

No Portão de Entrada se lia a denominação do local, escrito pelo Senhor Nelson Florêncio, um
Agente das antigas, daqueles brabos, e que tinha o dom de fazer letreiros, ele era Chefe do Estábulo, do Gado e dos Cavalos
Iniciei minha carreira como Agente de Segurança Penitenciária, após o Curso de Formação, no dia 23 julho no ano de 1990, e uma das primeiras pessoas a ter contato foi exatamente com o Sr. Hitler, um homem simples, educado e extremamente gentil, profissional perspicaz, ele era o segundo em comando na Chefia, ao lado do Sr. Adhemar, outra grande figura, e do mesmo calibre, educação e perspicácia do Sr. Hitler, dois mestres no trabalho e conhecimento do funcionamento da Unidade Prisional.

Como eu fazia o Curso de Direito na Faculdade da ITE de manhã, trabalhei alguns dias no plantão do Turno I diurno e então fui transferido para o noturno, Turno 03 cujo Chefe era o Senhor Hugo Ferrão, e lá fiquei por quase dois anos, tendo então voltado para o plantão do Turno I diurno  novamente e ai sim eu tive o prazer de trabalhar alguns anos com o Senhor Hitler, ele então como Chefe do Turno, vez que o Sr. Adhemar já havia se aposentado.

Quando chegamos no Ipa, em 1990, as radiais eram ainda de terra, havia um campo de bocha para
os  presos, Igreja na Unidade e até um Capelão, o Padre Almir, que era contratado pelo Estado e recebia salários
Neste período que antecedeu sua aposentadoria trabalhamos lado a lado,  por alguns anos, e eu fui escalado na Portaria, que na epóca era chamada de Sub-portaria, que era onde ocorria o trânsito dos presos em sua saída e entrada para os trabalhos na Fazenda, na época tinha mais de 300 alqueires, e que circundava toda a Àrea de Carceragem, e então tive o privilégio de aprender muito com seus ensinamentos.

E ele não se furtava a ensinar à todos os novos agentes, era extremamente paciente e tinha o conhecimento necessário sobre o "chão do cárcere", e também da malandragem que era composta por criminosos de alta periculosidade na época, quase todos em sua grande maioria oriundos da capital, São Paulo, e muitos deles com grave crimes de repercussão nacional, isso tudo para que os novatos pudessem de fato saber com o que, e com quem estavam trabalhando e como deveriam trabalhar. 

Quando chegamos no Ipa de Bauru, havia em seus pastos mais de 1.200 cabeças de gado, quase
3.000 porcos na Pocilga, um Aviario, onde hava galinhas poedeiras, carneiros e faisoes, trabalho para os presos tinha muito 
Não existia naquela época os problemas atuais de viciados em "Crack", tornando homens em verdadeiros zumbis, as estatísticas prisionais da época mostravam que a massa carcerária era composta por mais de 70% do presos condenados nos artigos 155º furto, 157º assalto e no 157º, parágrafo 3º que é o latrocínio, o restante eram traficantes uns 15%, homicidas uns 5% e os demais eram estelionatários, proxenetas, extorsores ou extorcionistas, falsários, estupradores, praticantes de crimes eleitorais, como prefeitos e vereadores, fraudadores da Administração Pública em âmbito municipal, estadual e federal e até uns dois ou três incendiários.

Então o que havia dentro da massa carcerária da época eram, em sua maioria, homens decididos e que faziam acontecer se houvesse uma só distração do Corpo da Guarda, eles só estavam esperando a qualquer momento que os agentes se distraissem para colocarem em prática suas atividades criminosas dentro da Unidade, tais como introdução de drogas ou armas, fabricação de cachaça artesanal (Maria Louca), crimes de estupro, crimes de assassinatos de desafetos internos, tentativas de fuga e até mesmo agressões contra os servidores.

Esta era a Casa de Hóspedes, onde o Diretor Geral geralmente recebia autoridade e convidados, e eles
até dormiam no local, uma casa extremamente bem equipada e com vitrais decorados internamente, com todos os confortos 
Para estarmos atentos e sempre ligados nos movimentos da cadeia, nos ensinou que quando a cadeia silenciava, e sua rotina era quebrada por este silêncio absurdo que surgia do nada, e que este era um momento complicado, pois algo não estava normal e então era necessário realizarmos blitz em todos os alojamentos, nos presos e em seus armários nos alojamentos, e pressão nos presos, não apenas nos líderes, até que algum passarinho, (caguetas) cantavam o que planejavam e assim, e desta forma frustávamos seus planos e isso realmente ocorreu por várias vezes e fui testemunha dos ocorridos

Um homem que valorizava seus subordinados e lhes falava sobre seu trabalho com orgulho em relação a serem exemplos para aqueles ali segregados, pedindo à todos que viessem uniformizados, barbeados, que também fossem educados com a massa carcerária e rigídos quando assim houvesse a necessidade, de modo que os agentes tinham que ser modelos de homens para que os criminosos se espelhassem neles.

Posteriormente, na decada de 2.000 foi transformado no Refeitório dos Funcionários, e nesta época
da imagem, 2006 foi totalmente redecorado com doação de um dos presos que la estava custodiado, Law Kim Chong
Um homem que discorria aos recrutas, sobre a importância de cuidarmos de nossos familiares e jamais levar para casa os ocorridos sobre a cadeia e os problemas enfrentados por nós em nossas rotinas, que desta forma estariámos preservando nossas maiores vitórias, que era o bem estar de nossos familiares. Que o que acontecia na cadeia, tinha que ficar na cadeia. Que agindo assim seríamos bons servidores compenetrados e focados no trabalho e bons pais e maridos focados na Família.

Em tempo, o filho do Sr. Hitler, o Policial Penal  Helton Pini, também já na inatividade há dois anos, trabalhou no Instituto Penal Agrícola "Prof. Noé Azevedo", atual Centro de Progressão Penitenciária por mais de 30 anos, tendo entrado no Sistema Prisional também nos primeiros anos da década de 90, contemporâneo nosso na Unidade Prisional, tendo sido assim como o Pai, uma referência em comportamento e foco no trabalho.

Foi um grande orgulho ter sido seu aluno no trabalho e na vida prática, sobre a realidade do chão do cárcere, ensinamentos que levamos para a toda a vida profissional e também pessoal e privada, com o enriquecimento humano repassado para nós que lá estivemos sob a sua Chefia.

Leandro Leandro.

5 comentários:

  1. Parabéns pela matéria, faltou você relatar que o filho do Sr Hitler também trabalhou no Ipa de Bauru, o CPP Professor Noé Azevedo continua firme e forte com a graça de Deus.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Já corrigido e feito a correta inserção do fato do filho do Sr. Hitler também ter trabalhado conosco na Unidade Prisional, grande amigo e companheiro de plantões.

      Excluir
  2. Belo relato são essas pessoas que passa como se deve trabalhar nas cadeias!

    ResponderExcluir

Deixe seu comentário e obrigado pela sua colaboração.