Quinquênio mostra como o custo magistocracia turbina o custo Brasil, aumenta a disparidade de salários da magistratura transformando-os em uma elite do serviço público, que eles acreditam não fazerem parte.
Conrado Hübner Mendes*
9.mai.2024
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Desembargadores do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em foto conjunta no Palácio da Justiça, no centro da capital paulista - Divulgação/Comunicação Social TJ-SP |
Bom magistocrata opera em silêncio. Atua na política juris-clientelista à maneira do centrão. Barganha a portas fechadas. Evita a armadilha de argumentar em público na defesa de privilégios. Argumentos, afinal, supõem referência plausível ao bem comum, alguma aparência republicana. Precisa ser crível à inteligência média. Desmandos não costumam passar no teste, mesmo que se imponham pela força.
O manifesto da dignidade magistocrática, divulgado semana passada, foi desabafo do bom magistocrata. Deixou escapar revelação de profunda sinceridade: "não somos servidores públicos".
Para quem não entendeu a síntese do ethos magistocrático, três juízes deram exemplos nos últimos dias. Quando juiz desobedece a cartilha do silêncio e tenta argumentar, um grande evento pedagógico acontece. E nos ilumina.
Torres Garcia, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, vê a perspectiva de ressuscitar o quinquênio a juízes "com grande satisfação". Explicou ao jornal O Globo: "Não podemos comparar salário de magistrado com salário de trabalhador desqualificado. A magistratura está aberta a todos, basta prestar concurso e ser aprovado."
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De arquitetura imponente e inspirada nos grandes palácios da Justiça da Europa, o Palácio da Justiça de São Paulo é marco arquitetônico do Estado, símbolo da solidez e tradição da Justiça paulista - Imagem/TJSP |
O desembargador enxerga a fibra moral do juiz bandeirante:
"A responsabilidade de um magistrado é decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio de uma pessoa. É uma garantia para a sociedade o magistrado bem remunerado. O magistrado mal remunerado poderá estar sujeito a corrupção."Ou seja, não fosse bem remunerado, seria corrupto. Não recebesse já o mais alto salário do Estado e não forjasse verbas indenizatórias para fraudar o teto constitucional, a magistratura agora precisa de aumento quinquenal. Como se, em virtude dessa fraude, a corrupção institucional já não se incrustasse na folha de pagamento. Como se a ilegalidade não fosse vertida em legalidade apenas por quem dela se beneficia.
Como se a magistratura estivesse aberta a todos, exceto os desqualificados. Como se todo juiz bandeirante fosse um hiper-qualificado que sacrificou chance de ser advogado milionário em prol de missão cívica. O quinquênio não tornaria ninguém milionário, mas, só entre 2017 e 2024, Torres Garcia teve rendimentos líquidos de R$ 4.479.250 (segundo Bruno Carazza, autor de "O País dos Privilégios"). Multimilionário, talvez.
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Presidente – Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia (biênio 2024/2025) - Imagem: TJSP |
Um magistocrata olha sua conta bancária e se compara com uma minúscula elite da advocacia empresarial. E omite o raciocínio orçamentário.
O Judiciário brasileiro custa R$ 160 bilhões por ano, 1,6% do PIB (países ricos gastam em média 0,3%, países emergentes 0,5%). Nosso funcionalismo tem 11 milhões de servidores (10% na União, 20% nos estados, 70% em municípios). Representa 12,4% dos trabalhadores do país (menos que os Estados Unidos, com 12,6%, bem menos que a média europeia, com 20%).Gabriela Lotta, da FGV, organiza outros dados: metade dos 11 milhões de servidores recebe menos que R$ 3.400 por mês. O 1% do topo ganha acima de R$ 27 mil. A aprovação do quinquênio custará R$ 40 bilhões e beneficiará os 38 mil do topo que já recebem o maior salário. Pelo critério do tempo de trabalho, não competência. O Bolsa Família custa R$ 160 bilhões por ano. Beneficia 21 milhões de famílias.
Faça as contas do descalabro. E descubra que, quando falam em "custo do funcionalismo público", querem dizer custo da magistocracia contra redução de desigualdades entre servidores públicos. Os "desqualificados" que atendem a cidadania nos campos da segurança, saúde, educação, desastre climático.
Mas não foi só Torres Garcia. Ministros de cortes superiores se juntaram à advocacia lobista em eventos privados sem acesso à imprensa na Europa, patrocinados por empresas brasileiras com causas no STF.
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Antes de chegar ao STF, Gilmar Mendes passou por cargos técnicos nos Ministérios da Justiça e Casa Civil durante o governo de FHC . Entre 2000 e 2002 foi Advogado - Geral da União - 11.mai.2016/Folhapress |
Criticado, Dias Toffoli cometeu um bonito raciocínio lógico:
"É o tribunal que, no ano passado, tomou colegiadamente mais de 15 mil decisões. Então, essas matérias são absolutamente inadequadas, incorretas e injustas."Gilmar Mendes comoveu: "Posso falar por mim. Não recebo cachês, viagens normalmente são pagas por quem convida. A gente faz isso e continua trabalhando. Ontem mesmo participei da sessão do STF a distância."
Entre participar de congresso com empresários a distância e de sessão do STF no Brasil, priorizou o contrário. Afinal, ar europeu, não goiano. E vê falta de educação em perguntar quem paga. Convidou e pagou, eu vou, vem você também.
Contra servidores públicos, contra o serviço público, contra o interesse público, contra a ética pública, a magistocracia opera em silêncio. Quando sai do silêncio, educa.
*Conrado Hübner Mendes
Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC
Fonte: Jornal Folha de São Paulo
Contraponto: Todo cuidado, discrição e moderação com os diálogos e comentários.